Introdução
Doutrina ou vida? Qual destes dois elementos é mais fundamental para um viver que agrade a Deus? Será que essa é a pergunta correta?É bastante comum que doutrina e vida sejam colocados em pólos opostos no interesse daqueles que buscam um relacionamento com Deus verdadeiro e equilibrado. Mas, certamente, o equilíbrio no relacionamento com Deus não será encontrado em uma separação entre os elementos doutrina e vida. Ao contrário disso, devemos entender que ambos caminham juntos.
Nesta lição, nosso objetivo é considerar como doutrina e vida se completam para construir um relacionamento harmônico com Deus, baseado na sua vontade revelada e aplicada ao dia a dia do crente.
I. A Necessidade da doutrina
Engenheiros, mestres de obra,
pedreiros etc. sabem muito bem coisas práticas sobre técnicas construtivas, mas
a planta arquitetônica, o projeto estrutural, hidráulico e elétrico fornecem
todas as informações para que executem a obra com qualidade e segurança nos
resultados.
Como a construção de um prédio,
o relacionamento com Deus precisa de informações claras e seguras para que
alcancemos o bom êxito de agradar a Deus com a nossa vida. Esse tema foi
apresentado por Jesus em uma conversa, quando afirmou que os samaritanos
desenvolveram um relacionamento com Deus sem conhecimento (Jo 4.22-23).
Eles buscavam ao Deus
verdadeiro, tinham um claro e evidente temor. Entretanto, haviam construído uma
religiosidade distorcida, pois abandonaram a Casa de Davi e erguido templos em
lugares não determinados pelo Senhor e pecaram por idolatria (1Rs 12.25-33; Jo
4.20).
A doutrina correta tem o papel
de apontar o caminho a ser seguido, evitando os equívocos e conceitos baseados
em aforismos da nossa imaginação. Uma doutrina consistentemente bíblica é como um
mapa que assegura qual o caminho a ser seguido.
A. Necessitamos
de uma doutrina bíblica
Uma doutrina
coerentemente bíblica se constrói a partir de uma completa harmonia com todo o
ensino bíblico. Ter uma doutrina, saber defendê-la com argumentos bem
construídos e apresentá-la de forma convincente não significa que ela seja
bíblica ou que estejamos seguindo no caminho certo.
É primordial
para o desenvolvimento de uma doutrina bíblica que ela seja direta ou
indiretamente inferida das Escrituras e qualquer doutrina que não se configure
a partir do texto bíblico deve ser desconsiderada (Gl 1.6-9).
Quando o
apóstolo Paulo escreveu a carta aos Gálatas, enfrentava falsos mestres que
estavam convencendo os crentes da Galácia a viver uma prática inconsistente com
a mensagem do Evangelho.
Ele chamou
essa nova doutrina de “outro evangelho” (héteros - diferente). Curiosamente,
esse “outro evangelho” (heterodoxo), apesar de ser uma perversão do evangelho
de Cristo, usava um apelo prático mais visível, uma vez que se baseava no
retorno da guarda dos velhos costumes da lei mosaica (Gl 5.1-4).
A este novo ímpeto
gálata pela lei mosaica, Paulo chamou de confiança na carne (Gl 3.3; 5.13). Ele
definiu esse retorno à Lei como uma ênfase na carne (Gl 5.24-25), apontando que
o resultado prático de uma doutrina equivocada é o pecado e, no caso, a
vanglória e as contendas (Gl 5.26).
B. Necessitamos
de uma doutrina contruída em toda a Bíblia
Voltando ao
exemplo da Carta aos Gálatas, alguém pode se perguntar: mas a lei mosaica não é
bíblica? Sim, evidentemente a lei mosaica fora prescrita por Deus e se encontra
dentro do cânon geral das Escrituras. Mas, a doutrina verdadeiramente bíblica
não pode ser construída em apenas uma parte da Escritura, mas sob uma
perspectiva geral do ensino escriturístico. A esse esforço de harmonizar um
texto ou doutrina com o todo da Escritura chamamos de “analogia da fé”.
Analogia da
fé é a regra hermenêutica (princípio de interpretação) que submete a
interpretação particular de um texto ao crivo interpretativo de outros textos.
Em outras palavras, a Bíblia é que interpreta a Bíblia e um texto mais obscuro e
indireto é compreendido à luz de outros textos mais claros e diretos.
A Escritura
foi revelada de forma progessiva. Deus nos concedeu conhecimento gradual de sua
vontade e dos princípios fundamentais para o estabelecimento da nossa fé. O
Novo Testamento não veio para inutilizar o Antigo, mas complementá-los e
oferecer um entendimento perfeito daquilo que até então era considerado apenas
sombra (Hb 10.1). Por outro lado, o Antigo Testamento oferece as bases do
entendimento do que se cumpre e completa no Novo.
Esse é o
espírito apresentado na sessão introdutória da Carta aos Hebreus: outrora pelos
profetas, hoje nos fala pelo Filho (Hb 1.1-2). Essa carta nos conduz do
ambiente do Antigo Testamento ao Novo Testamento mostrando a importância da
complementaridade entre ambos. Para esse escritor, a vinda do Mediador da nova
aliança é o ponto mais fundamental dessa mudança interpretativa, o que ele
chama de “superior aliança” (Hb 8.6-13). Ou seja, Cristo é a chave hermenêutica
que dá sentido à unidade entre Antigo e Novo Testamento.
O apóstolo
Paulo usa esse mesmo conceito hermenêutico para oferecer aos gálatas uma
correta interpretação do papel da Lei (Gl 3.23-25). Ele próprio, por algum
tempo, vivia debaixo de uma interpretação equivocada da verdade, baseando-se no
cumprimento dos ritos da Lei e foi liberto quando Cristo revelou-se a ele (Fp
3.4-11).
Uma doutrina
parcial não é capaz de produzir um agir prático que completamente agrade a
Deus. Necessitamos de uma doutrina que se construa sob toda a autoridade
bíblica. Isso decorre de uma confiança total na inspiração e inerrância das
Escrituras.
C. Necessitamos
de uma doutrina que objetive a prática
A doutrina
não é um fim em si mesma. O objetivo geral das Escrituras não é meramente
informativo ou uma apresentação teórica de conceitos a respeito de Deus e da
sua vontade. O que devemos esperar de uma doutrina é que ela se manifeste em
uma vivência prática equilibrada do que creem.
Jesus
exortou seus discípulos a serem ouvintes praticantes (Mt 7.24-27). Da mesma
forma, Tiago, o irmão do Senhor, questionou a fé que não se transformava em
prática de vida (Tg 1.22-25). Também João insistiu que o correto é conciliar
corentemente fé e vida (1Jo 3.17-18).
Devemos
encarar a doutrina como um instrumento necessário para uma vida prática não
distorcida e um relacionamento não baseado apenas na imaginação humana, mas na
“verdade”. Este procedimento de viver segundo a doutrina de Cristo é chamado
também de “andar na verdade” (2Jo 4); na “prática da justiça” (Rm 6.17-18);
“andar na luz” (Jo 8.12); “andar de modo digno (Ef 4.1) etc..
Nota-se nas
Escrituras que o ensino bíblico está sempre sintonizado com a prática dos
servos do Senhor (Pv 1.1-7). Ao nos revelar a sua vontade, Deus nos conduz a um
relacionamento de amor com ele, que só pode ser observado de fato na prática de
amor ao próximo (1Jo 4.7-10).
Nenhuma
doutrina é completa se não nos conduz ao viver prático. Mesmo quando o conteúdo
doutrinário consiste de enunciados mais teóricos, sempre é possível encontrar
no ensino bíblico uma maneira de levá-lo às últimas consequencias de suas
implicações práticas.
II.
Doutrinando a Vida
Tendo em mente que é necessário
o paradigma doutrinário como um mapa para seguir um bom caminho, vamos
considerar de que maneira podemos aproximar o conhecimento doutrinário da nossa
vida prática.
Em 2 Timóteo 3.16-17, o
apóstolo Paulo sugere uma série de aplicabilidades para o ensino da Palavra de
Deus. Ele conclui que o homem exercitado pelo aprendizado da Palavra se torna
perfeitamente habilitado para o viver prático.
O doutrinamento da vida pode
ocorrer por meio de uma racional aplicação dos princípios gerais da Escritura
sobre os aspectos práticos do viver. Assim como Paulo sugeriu à Timóteo,
façamos um exercício teórico de aplicabilidade da Escritura.
A. A doutrina mudando o conhecimento de Deus – útil para o ensino
A doutrina bíblica é útil para
o ensino. Precisamos doutrinar o nosso pensamento o que implica adquirir maior
precisão no que cremos a respeito de Deus. A crença cristã, quando biblicamente
orientada, não se estabelece a partir de inferências filosóficas, sociológicas,
metafísicas etc., elaboradas a partir da capacidade do homem de intuir Deus, mas
resulta de um entendimento formulado a partir da revelação bíblica.
Doutrinar a vida, segundo o
ensino verdadeiro das Escrituras é adquirir um conhecimento de Deus a partir da
recepção mental da verdade apresentada nas Escrituras. Esse foi o ponto
trabalho por Jesus Cristo em sua oração sacerdotal (Jo 17.3,6-8,17).
Maior precisão bíblica a
respeito de Deus nos concede maior capacidade de viver para agradá-lo.
B. A doutrina
corrigindo desvios – útil para repreensão.
Aqui, Paulo usou a palavra “elegkon”
do grego, que tem um sentido de repreender pela formação de uma nova convicção.
A doutrina nos repreende por meio da formação de um novo pensamento. A primeira
decorrência de um bom aprendizado é a mudança.
Identificar caminhos errados é
um dos bons resultados de uma vida bem doutrinada pela Palavra de Deus (Sl
32.8; Pv 2.7-9; 4.11). Ser repreendido pelo bom conhecimento é um sinal de
maturidade espiritual e crescimento na direção da chamada “novidade de vida”
(Rm 6.4).
C. A doutrina
redirecionando o caminho – útil para a correção.
Já neste ponto, a palavra usada
pelo apóstolo é “epanorfossim” (endireitar-se, retomar a forma reta). Essa foi
a única vez que Paulo usou tal palavra, o que implica em dizer que deseja que ficasse
claro que a proposta corretiva da doutrina é muito prática e consiste na
retomada do caminho reto, da vida na forma correta.
Não basta adquirir um
conhecimento verdadeiro, ser definitivamente convencido dele. É necessário que
uma atitude de mudança prática ocorra e o doutrinamento da vida propõe ser uma
proposta prática de correção.
Os crentes de Tessalônica são
um bom exemplo de como o doutrinamento da vida, por meio da palavra, corrigiu
sua rota (1Ts 1.8-10). A completa mudança do comportamento deles se revelou de
forma prática. A doutrina ou o ensino apresentado por Paulo lhes convenceu e
transformou.
D. A doutrina
construindo o caráter – útil para a educação na justiça.
Diferentemente de outras
espécies criadas, o ser humano pode ser educado. Em outras palavras, ele pode
ser conduzido a repensar seus valores a partir do conhecimento que adquire. A
educação é um processo de mudança da mente humana, no qual se oferece ao homem
as razões para as quais deve pensar, agir e sentir de um modo ou de outro.
A instrução de Paulo propõe um
ritmob crescente e culmina com a ideia de que uma vez que adquirimos um novo
conhecimento, somos convencidos e mudamos a nossa trajetória, precisamos
aprender a andar nesse novo caminho. Esse novo caminho é o da justiça
(retidão).
O doutrinamento da vida é um
constante adquirir de ferramentas para continuar seguindo o caminho reto e
mantendo a vida na forma correta, esse é o processo de santificação. Você parte do que já possui para ir adiante e
alcançar novos patamares (Fp 3.12-16). Essa também era uma perspectiva de vida
proposta na carta a Tito (Tt 2.11-12).
III. Etapas da transformação da vida pela
doutrina
R.C Sproul escreveu um livro
entitulado “Como Viver e Agradar a Deus”. Ele propõe nesse manual de vida
cristã algumas reflexões muito simples para a transformação da nossa vida. O penúltimo
capítulo tem o título: “Doutrina e Vida”.
Sproul diz que três mudanças
absolutas tem de ocorrer para que o processo de santificação da nossa vida seja
real: a) mudança em nossa conscientização; b) na nossa convicção; c) em nossa
consciência.
Para que a vida seja
completamente transformada pela doutrina, realmente precisamos que essas três
etapas se cumpram em cada aspecto do viver. Ainda que, muitas vezes sem um
conhecimento mais apurado da doutrina, acertemos e façamos o que agrada a Deus,
devemos reconhecer que o nosso objetivo não é um relacionamento incidental com
o Senhor. Nosso objetivo é uma vida que realmente agrade a Deus como
decorrência de uma nova consciência da verdade.
A. A Conscientização
da verdade
Com certeza
é muito mais eficaz o comportamento correto como fruto de uma consciência da
verdade, do que aquele que ocorre apenas de forma instintiva.
Paulo nos
fala dos acertos morais dos ímpios de maneira que entendamos que isso ocorre
mais como fruto da providência de Deus que um desejo ativo deles de fazer o que
é bom (Rm 2.14-15). Essas ações positivas não decorrem de uma conscientização proveniente
de um novo conhecimento da verdade.
Mas, quando
nossas ações positivas de obediência e conformidade com a verdade de Deus, são
provenientes de uma mudança da nossa mente e de um novo relacionamento baseado
na verdade, a nossa satisfação em Deus é muitíssimo mais elevada (Fp 4.9-13).
B. A
Convicção da Verdade
A convicção
é um nível mais profundo da ação do conhecimento. A convicção transforma o
consciência da verdade em um forte engajamento à verdade.
Muitos
motoristas usam o cinto de segurança. Nem todos gostam, mas admitem que é certo
e estão conscientes de sua utilidade. Não usam o cinto apenas para não tomar
multas, usam porque já assumiram-no como uma necessidade. Entretanto, um
motorista que apenas sabe que é útil, vez por outra, deixa os filhos do banco
de trás sem o cinto. Quando, acontece um acidente e alguém se machuca
seriamente, ele passa do nível da consciência do certo para a convicção do
certo.
A convicção
é uma conscientização em nível mais profundo e produto disto é que o convicto
se torna engajado na prática de que é consciente.
C. Internalização da Verdade
O ponto chave da mudança do pensamento é a transformação da ideia de conceito em consciência. No primeiro ponto, a verdade é um conceito adquirido e assumido como correto e útil, nesse ponto, ele começa a fazer parte integrante do modo como construimos o pensamento.
O Senhor é o responsável primordial por essa internalização. Ele a executa por meio da obra do Espírito Santo. O objetivo dessa internalização é mudança da nossa natureza e a inserção de uma nova maneira de pensar.
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O Senhor é o responsável primordial por essa internalização. Ele a executa por meio da obra do Espírito Santo. O objetivo dessa internalização é mudança da nossa natureza e a inserção de uma nova maneira de pensar.
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