quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Doutrinamento da Vida

Introdução

Doutrina ou vida? Qual destes dois elementos é mais fundamental para um viver que agrade a Deus? Será que essa é a pergunta correta?
É bastante comum que doutrina e vida sejam colocados em pólos opostos no interesse daqueles que buscam um relacionamento com Deus verdadeiro e equilibrado. Mas, certamente, o equilíbrio no relacionamento com Deus não será encontrado em uma separação entre os elementos doutrina e vida. Ao contrário disso, devemos entender que ambos caminham juntos.
Nesta lição, nosso objetivo é considerar como doutrina e vida se completam para construir um relacionamento harmônico com Deus, baseado na sua vontade revelada e aplicada ao dia a dia do crente.

I. A Necessidade da doutrina

Engenheiros, mestres de obra, pedreiros etc. sabem muito bem coisas práticas sobre técnicas construtivas, mas a planta arquitetônica, o projeto estrutural, hidráulico e elétrico fornecem todas as informações para que executem a obra com qualidade e segurança nos resultados.
Como a construção de um prédio, o relacionamento com Deus precisa de informações claras e seguras para que alcancemos o bom êxito de agradar a Deus com a nossa vida. Esse tema foi apresentado por Jesus em uma conversa, quando afirmou que os samaritanos desenvolveram um relacionamento com Deus sem conhecimento (Jo 4.22-23).
Eles buscavam ao Deus verdadeiro, tinham um claro e evidente temor. Entretanto, haviam construído uma religiosidade distorcida, pois abandonaram a Casa de Davi e erguido templos em lugares não determinados pelo Senhor e pecaram por idolatria (1Rs 12.25-33; Jo 4.20).  
A doutrina correta tem o papel de apontar o caminho a ser seguido, evitando os equívocos e conceitos baseados em aforismos da nossa imaginação. Uma doutrina consistentemente bíblica é como um mapa que assegura qual o caminho a ser seguido.

 

A. Necessitamos de uma doutrina bíblica

Uma doutrina coerentemente bíblica se constrói a partir de uma completa harmonia com todo o ensino bíblico. Ter uma doutrina, saber defendê-la com argumentos bem construídos e apresentá-la de forma convincente não significa que ela seja bíblica ou que estejamos seguindo no caminho certo.
É primordial para o desenvolvimento de uma doutrina bíblica que ela seja direta ou indiretamente inferida das Escrituras e qualquer doutrina que não se configure a partir do texto bíblico deve ser desconsiderada (Gl 1.6-9).
Quando o apóstolo Paulo escreveu a carta aos Gálatas, enfrentava falsos mestres que estavam convencendo os crentes da Galácia a viver uma prática inconsistente com a mensagem do Evangelho.
Ele chamou essa nova doutrina de “outro evangelho” (héteros - diferente). Curiosamente, esse “outro evangelho” (heterodoxo), apesar de ser uma perversão do evangelho de Cristo, usava um apelo prático mais visível, uma vez que se baseava no retorno da guarda dos velhos costumes da lei mosaica (Gl 5.1-4).
A este novo ímpeto gálata pela lei mosaica, Paulo chamou de confiança na carne (Gl 3.3; 5.13). Ele definiu esse retorno à Lei como uma ênfase na carne (Gl 5.24-25), apontando que o resultado prático de uma doutrina equivocada é o pecado e, no caso, a vanglória e as contendas (Gl 5.26).

B. Necessitamos de uma doutrina contruída em toda a Bíblia

Voltando ao exemplo da Carta aos Gálatas, alguém pode se perguntar: mas a lei mosaica não é bíblica? Sim, evidentemente a lei mosaica fora prescrita por Deus e se encontra dentro do cânon geral das Escrituras. Mas, a doutrina verdadeiramente bíblica não pode ser construída em apenas uma parte da Escritura, mas sob uma perspectiva geral do ensino escriturístico. A esse esforço de harmonizar um texto ou doutrina com o todo da Escritura chamamos de “analogia da fé”.
Analogia da fé é a regra hermenêutica (princípio de interpretação) que submete a interpretação particular de um texto ao crivo interpretativo de outros textos. Em outras palavras, a Bíblia é que interpreta a Bíblia e um texto mais obscuro e indireto é compreendido à luz de outros textos mais claros e diretos.
A Escritura foi revelada de forma progessiva. Deus nos concedeu conhecimento gradual de sua vontade e dos princípios fundamentais para o estabelecimento da nossa fé. O Novo Testamento não veio para inutilizar o Antigo, mas complementá-los e oferecer um entendimento perfeito daquilo que até então era considerado apenas sombra (Hb 10.1). Por outro lado, o Antigo Testamento oferece as bases do entendimento do que se cumpre e completa no Novo.
Esse é o espírito apresentado na sessão introdutória da Carta aos Hebreus: outrora pelos profetas, hoje nos fala pelo Filho (Hb 1.1-2). Essa carta nos conduz do ambiente do Antigo Testamento ao Novo Testamento mostrando a importância da complementaridade entre ambos. Para esse escritor, a vinda do Mediador da nova aliança é o ponto mais fundamental dessa mudança interpretativa, o que ele chama de “superior aliança” (Hb 8.6-13). Ou seja, Cristo é a chave hermenêutica que dá sentido à unidade entre Antigo e Novo Testamento.
O apóstolo Paulo usa esse mesmo conceito hermenêutico para oferecer aos gálatas uma correta interpretação do papel da Lei (Gl 3.23-25). Ele próprio, por algum tempo, vivia debaixo de uma interpretação equivocada da verdade, baseando-se no cumprimento dos ritos da Lei e foi liberto quando Cristo revelou-se a ele (Fp 3.4-11).
Uma doutrina parcial não é capaz de produzir um agir prático que completamente agrade a Deus. Necessitamos de uma doutrina que se construa sob toda a autoridade bíblica. Isso decorre de uma confiança total na inspiração e inerrância das Escrituras.

C. Necessitamos de uma doutrina que objetive a prática

A doutrina não é um fim em si mesma. O objetivo geral das Escrituras não é meramente informativo ou uma apresentação teórica de conceitos a respeito de Deus e da sua vontade. O que devemos esperar de uma doutrina é que ela se manifeste em uma vivência prática equilibrada do que creem.
Jesus exortou seus discípulos a serem ouvintes praticantes (Mt 7.24-27). Da mesma forma, Tiago, o irmão do Senhor, questionou a fé que não se transformava em prática de vida (Tg 1.22-25). Também João insistiu que o correto é conciliar corentemente fé e vida (1Jo 3.17-18).
Devemos encarar a doutrina como um instrumento necessário para uma vida prática não distorcida e um relacionamento não baseado apenas na imaginação humana, mas na “verdade”. Este procedimento de viver segundo a doutrina de Cristo é chamado também de “andar na verdade” (2Jo 4); na “prática da justiça” (Rm 6.17-18); “andar na luz” (Jo 8.12); “andar de modo digno (Ef 4.1) etc..
Nota-se nas Escrituras que o ensino bíblico está sempre sintonizado com a prática dos servos do Senhor (Pv 1.1-7). Ao nos revelar a sua vontade, Deus nos conduz a um relacionamento de amor com ele, que só pode ser observado de fato na prática de amor ao próximo (1Jo 4.7-10).
Nenhuma doutrina é completa se não nos conduz ao viver prático. Mesmo quando o conteúdo doutrinário consiste de enunciados mais teóricos, sempre é possível encontrar no ensino bíblico uma maneira de levá-lo às últimas consequencias de suas implicações práticas.

II. Doutrinando a Vida
Tendo em mente que é necessário o paradigma doutrinário como um mapa para seguir um bom caminho, vamos considerar de que maneira podemos aproximar o conhecimento doutrinário da nossa vida prática.
Em 2 Timóteo 3.16-17, o apóstolo Paulo sugere uma série de aplicabilidades para o ensino da Palavra de Deus. Ele conclui que o homem exercitado pelo aprendizado da Palavra se torna perfeitamente habilitado para o viver prático.
O doutrinamento da vida pode ocorrer por meio de uma racional aplicação dos princípios gerais da Escritura sobre os aspectos práticos do viver. Assim como Paulo sugeriu à Timóteo, façamos um exercício teórico de aplicabilidade da Escritura.

 A. A doutrina mudando o conhecimento de Deus – útil para o ensino

A doutrina bíblica é útil para o ensino. Precisamos doutrinar o nosso pensamento o que implica adquirir maior precisão no que cremos a respeito de Deus. A crença cristã, quando biblicamente orientada, não se estabelece a partir de inferências filosóficas, sociológicas, metafísicas etc., elaboradas a partir da capacidade do homem de intuir Deus, mas resulta de um entendimento formulado a partir da revelação bíblica.
Doutrinar a vida, segundo o ensino verdadeiro das Escrituras é adquirir um conhecimento de Deus a partir da recepção mental da verdade apresentada nas Escrituras. Esse foi o ponto trabalho por Jesus Cristo em sua oração sacerdotal (Jo 17.3,6-8,17).
Maior precisão bíblica a respeito de Deus nos concede maior capacidade de viver para agradá-lo.

B. A doutrina corrigindo desvios – útil para repreensão.

Aqui, Paulo usou a palavra “elegkon” do grego, que tem um sentido de repreender pela formação de uma nova convicção. A doutrina nos repreende por meio da formação de um novo pensamento. A primeira decorrência de um bom aprendizado é a mudança.
Identificar caminhos errados é um dos bons resultados de uma vida bem doutrinada pela Palavra de Deus (Sl 32.8; Pv 2.7-9; 4.11). Ser repreendido pelo bom conhecimento é um sinal de maturidade espiritual e crescimento na direção da chamada “novidade de vida” (Rm 6.4).

C. A doutrina redirecionando o caminho – útil para a correção.

Já neste ponto, a palavra usada pelo apóstolo é “epanorfossim” (endireitar-se, retomar a forma reta). Essa foi a única vez que Paulo usou tal palavra, o que implica em dizer que deseja que ficasse claro que a proposta corretiva da doutrina é muito prática e consiste na retomada do caminho reto, da vida na forma correta.
Não basta adquirir um conhecimento verdadeiro, ser definitivamente convencido dele. É necessário que uma atitude de mudança prática ocorra e o doutrinamento da vida propõe ser uma proposta prática de correção.
Os crentes de Tessalônica são um bom exemplo de como o doutrinamento da vida, por meio da palavra, corrigiu sua rota (1Ts 1.8-10). A completa mudança do comportamento deles se revelou de forma prática. A doutrina ou o ensino apresentado por Paulo lhes convenceu e transformou.

D. A doutrina construindo o caráter – útil para a educação na justiça.

Diferentemente de outras espécies criadas, o ser humano pode ser educado. Em outras palavras, ele pode ser conduzido a repensar seus valores a partir do conhecimento que adquire. A educação é um processo de mudança da mente humana, no qual se oferece ao homem as razões para as quais deve pensar, agir e sentir de um modo ou de outro.
A instrução de Paulo propõe um ritmob crescente e culmina com a ideia de que uma vez que adquirimos um novo conhecimento, somos convencidos e mudamos a nossa trajetória, precisamos aprender a andar nesse novo caminho. Esse novo caminho é o da justiça (retidão).
O doutrinamento da vida é um constante adquirir de ferramentas para continuar seguindo o caminho reto e mantendo a vida na forma correta, esse é o processo de santificação.  Você parte do que já possui para ir adiante e alcançar novos patamares (Fp 3.12-16). Essa também era uma perspectiva de vida proposta na carta a Tito (Tt 2.11-12).

III. Etapas da transformação da vida pela doutrina

R.C Sproul escreveu um livro entitulado “Como Viver e Agradar a Deus”. Ele propõe nesse manual de vida cristã algumas reflexões muito simples para a transformação da nossa vida. O penúltimo capítulo tem o título: “Doutrina e Vida”.
Sproul diz que três mudanças absolutas tem de ocorrer para que o processo de santificação da nossa vida seja real: a) mudança em nossa conscientização; b) na nossa convicção; c) em nossa consciência.
Para que a vida seja completamente transformada pela doutrina, realmente precisamos que essas três etapas se cumpram em cada aspecto do viver. Ainda que, muitas vezes sem um conhecimento mais apurado da doutrina, acertemos e façamos o que agrada a Deus, devemos reconhecer que o nosso objetivo não é um relacionamento incidental com o Senhor. Nosso objetivo é uma vida que realmente agrade a Deus como decorrência de uma nova consciência da verdade.

A. A Conscientização da verdade

Com certeza é muito mais eficaz o comportamento correto como fruto de uma consciência da verdade, do que aquele que ocorre apenas de forma instintiva.
Paulo nos fala dos acertos morais dos ímpios de maneira que entendamos que isso ocorre mais como fruto da providência de Deus que um desejo ativo deles de fazer o que é bom (Rm 2.14-15). Essas ações positivas não decorrem de uma conscientização proveniente de um novo conhecimento da verdade.
Mas, quando nossas ações positivas de obediência e conformidade com a verdade de Deus, são provenientes de uma mudança da nossa mente e de um novo relacionamento baseado na verdade, a nossa satisfação em Deus é muitíssimo mais elevada (Fp 4.9-13).

B. A Convicção da Verdade

A convicção é um nível mais profundo da ação do conhecimento. A convicção transforma o consciência da verdade em um forte engajamento à verdade.
Muitos motoristas usam o cinto de segurança. Nem todos gostam, mas admitem que é certo e estão conscientes de sua utilidade. Não usam o cinto apenas para não tomar multas, usam porque já assumiram-no como uma necessidade. Entretanto, um motorista que apenas sabe que é útil, vez por outra, deixa os filhos do banco de trás sem o cinto. Quando, acontece um acidente e alguém se machuca seriamente, ele passa do nível da consciência do certo para a convicção do certo.
A convicção é uma conscientização em nível mais profundo e produto disto é que o convicto se torna engajado na prática de que é consciente.

C. Internalização da Verdade

O ponto chave da mudança do pensamento é a transformação da ideia de conceito em consciência. No primeiro ponto, a verdade é um conceito adquirido e assumido como correto e útil, nesse ponto, ele começa a fazer parte integrante do modo como construimos o pensamento.
O Senhor é o responsável primordial por essa internalização. Ele a executa por meio da obra do Espírito Santo. O objetivo dessa internalização é mudança da nossa natureza e a inserção de uma nova maneira de pensar. 
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