quarta-feira, 29 de maio de 2013

A EXALTAÇÃO DE CRISTO - Preparando a Mente Para Pensar as Coisas Lá do Alto

"Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à direita de Deus"

Um dos mais importantes momentos da história da Redenção é aquele que se refere à vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus. Mas toda esta história tinha uma intencionalidade: conduzir Jesus Cristo à Exaltação. 
A Exaltação de Cristo não consiste apenas no fato de estar ele no céu. Devemos considerar que há muitos aspectos ligados à pessoa do próprio Cristo Exaltado que precisam ser examinados para que a nossa fé realmente repouse sobre um sólido fundamento na Rocha. 
Nestes encontros sobre a "Exaltação de Cristo", pretendemos verificar o que a Bíblia afirma sobre o assunto e fazer as implicações disto para a nossa vida cotidiana. 

Uma Proposta de Desenvolvimento da Mente (Inteligência Redencional) Baseada em Valores Elevados

O apóstolo Paulo, escrevendo aos crentes de Colossos, tinha uma proposta para o modelo de vida cristã que deveria marcar a conduta daquela igreja:
Portanto, se fostes ressuscitados juntamente com Cristo, buscai as coisas lá do alto, onde Cristo vive, assentado à destra de Deus. Pensai nas coisas lá do alto, não nas que são aqui da terra (Colossenses 3.1 e 2).
Podemos naturalmente perceber que o apóstolo está propondo um modelo de vida, diferenciado, pois diz: “...não nas que são aqui da terra”. Trata-se de um modelo de mudança de mente (metanóia), uma perspectiva de desenvolvimento de uma inteligência redencional guiada pelo alto.  
Evidentemente, ele não está propondo uma forma escapista de vida, mas um viver cotidiano que seja guiado por valores mais elevados. No mesmo sentido, podemos entender as palavras de repreensão de Deus, dadas por intermédio do profeta Isaías:
Buscai o SENHOR enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo os seus pensamentos; converta-se ao SENHOR, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim os meus caminhos são mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos que os vossos pensamentos (Isaías 55.6 a 9).
A proposta da Exaltação de Cristo marcando o modo como pensamos e vivemos nossa vida deve produzir uma maneira complemente nova no rumo de nossas decisões e percepções das coisas que temos visto, sentido e vivido neste mundo.
Entretanto, creio ser imprescindível que saibamos um pouco mais sobre as condições da Exaltação de Cristo. Pois, este conhecimento poderá nos ajudar na importante tarefa de “pensar as coisas lá do alto, onde Cristo está”.

O Cristo Exaltado está à destra de Deus

A expressão à destra de Deus aponta para algumas realidades importantes da condição de Jesus Cristo exaltado. Há um bom número de textos bíblicos que pontuam sobre esta realidade, além de muitos outros que sugerem isto não tão diretamente.
De fato, o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu e assentou-se à destra de Deus. 
Quando Deus recebe Cristo e o coloca à sua mão direita, devemos compreender que este é um gesto de completa aprovação do Pai à obra do Filho. O Pai testemunha com este gesto que se agradou completamente de tudo aquilo que o filho conquistou para ele.
Esta figura se reporta às cortes antigas quando os heróis, dirigentes de exércitos, os generais mais valentes, eram prestigiados por causa do sucesso em suas batalhas. Estes saíam em nome do reino para conquistar seus inimigos e voltava trazendo os despojos. Por sua coragem e sucesso na batalha, o Rei lhe concedia a honra de receber a glória do povo à sua destra, como gesto do reconhecimento dos seus feitos.
Cristo, quando se assenta ao lado do trono de Deus (Hebreus 12.2) assume a sua glória e ganha a honra de ser glorificado por todos os súditos do Reino.
Devemos nos lembrar de que estamos falando do Jesus homem, que agora tem a sua natureza humana elevada acima de todos os poderes e principados. A este Jesus, Deus fez Senhor e Rei. Por isto, podemos e devemos glorificar ao Cristo que venceu, o Jesus homem.
Por isto, em Apocalipse, vemos que a referência à quem pertence a glória e a honra e o louvor é ao Cordeiro que foi morto. Note, não é uma referência à natureza divina de Jesus Cristo, mas à sua natureza humana, pois somente a natureza humana morreu.
Digno é o Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória e louvor (Apocalipse 5.12).
O que vemos descrito neste verso é que todos os súditos dos céus, em particular as miríades de anjos, discerniram que o cordeiro era digno de, na sua exaltação, receber todos os privilégios descritos neste cântico, que são outras implicações que devemos considerar mais à frente.
Estes mesmos seres somados a todas as outras criaturas existentes no céu, na terra e debaixo da terra, em um momento escatológico portentoso, clamarão a glória deste Cordeiro exaltado:
Aquele que está sentado no trono e ao Cordeiro seja o louvor, e a honra, e a glória, e o domínio pelos séculos dos séculos (Apocalipse 5.13).
Portanto, o que Cristo recebe, além da aprovação do Pai pelos seus feitos como nosso Redentor é a dignidade de receber a honra dos homens e dos seus súditos.


Implicações para o cotidiano

O desenvolvimento de um senso de respeito pela obra de Cristo é com certeza muito esperado dos crentes em geral. Pensas as coisas lá do alto é desenvolver também esta capacidade de considerar atentamente aquele que deu a vida por nós e valorizar o seu trabalho.
Precisamos, além disto, viver de maneira doxológica. Em tudo devemos louvar a Cristo, mas principalmente por sua vitória. Devemos louvá-lo porque o Pai o aprovou como nosso suficiente redentor e devemos louvá-lo porque ele é digno de toda a adoração.


Um erro muito comum dos crentes é manter uma vida cotidiana distante deste modelo doxológico. Viver como se Cristo estivesse meramente numa gaveta, trancado dentro das nossas Bíblias. Uma vida fria, sem adoração é viver para as coisas aqui da terra e não as que são lá do alto, onde Cristo vive. 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Inteligência Redencional - Gálatas 6. 1 a 18


A Vida No Espírito e o Amor Prático
Gálatas 6.1 a 18

INTRODUÇÃO

Paulo já definiu sua visão sobre o que estava acontecendo nas igrejas da Galácia. Ele diagnosticara que os crentes haviam trocado a segurança da graça de Cristo pelas prática de obras como forma de auto-justiça.
O apóstolo define este comportamento como o andar na carne. Andar na carne consiste em buscar em si mesmo a razão da salvação e da fé. Isso, ganhava proporções grandiosas de idolatria, pois, no final, quem se quedava exaltado era o próprio “ego”.
Como já tratamos anteriormente, este é o ponto que desejamos fortemente contemplar nestes estudos sobre a Carta aos Gálatas: a necessidade de trabalhar o coração para que ele não seja dominado pela natureza carnal, mas pela nova natureza guiada pelo Espírito Santo.
Por isto, Paulo conclui todo o seu argumento propondo a visão clara da carne militando contra o Espírito. Esta visão é seguida de uma orientação fundamental: quais são os resultados da vida de quem anda pela carne (obras da carne) e quem anda no Espírito (fruto do Espírito).
No capítulo 6, dando continuidade a este ponto, procurando observar de uma maneira mais evidente o problema, Paulo propõe uma forma simples de identificar e praticar essa mortificação da carne e o viver no Espírito. Trata-se do amor prático.

Levar as Cargas Uns dos Outros (versos 1 a 6)

Neste ponto, os crentes são conduzidos a conceber que só exercitariam o seu coração na vida do Espírito quando começassem a agir em conformidade com a regra do amor ao próximo.
Ele volta ao tema da Lei e afirma categoricamente que levar as cargas uns dos outros é o cumprimento da Lei. Mas, aqui, no verso de número dois ele qualifica esta lei como sendo a Lei de Cristo.
Voltando ao verso 1, temos um caso concreto apresentado para ilustração. Trata-se de um caso que deveria ser considerado como um desafio: um faltoso o meio da congregação.
Ele diz que o crente guiado pelo espírito (vós que sois espirituais) tratam casos assim sempre com espírito de brandura. Ele está apenas exemplificando como agiria uma pessoa guiada pelo Espírito Santo, cuja mente está sendo fortalecida na fé espiritual.
Ao mesmo tempo, este que trata o outro com espirito de brandura tem de tomar cuidado com os juízos que fazemos dos faltosos. Ele faz um alerta, que indica que a pessoa guiada pelo Espírito Santo não se precipita a considerar a falta do outro, mas cuida de si mesmo para não cair do mesmo modo.
Este é o ponto a ser tratado na continuidade no verso 3: não pense muito elevadamente sobre você. É um gritante erro, quando estamos tentando ajudar alguém que está faltoso, agirmos como juízes e não como curadores. A isto ele chama de “engano”.
Os versos 4 e 5 devem ser considerados dentro deste contexto, pois, quando lidos isoladamente podem sugerir exatamente o contrário que o apóstolo tencionava. Perceba que ele está dando continuidade ao argumento ao usar a palavra “mas”.
O ponto mais central da passagem é o verbo “provar”, que em grego vem da raiz “dokimazo” que pode ser trazido por “examinar”. A ideia de Paulo aqui é a de conduzir o crente a ser juiz de si mesmo, da sua própria obra “erga” (labor). Isso é usar a mente para enxergar a si mesmo se não está incorrendo em falta, antes de avaliar a falta do outro.
Na verdade, não podemos crescer se avaliamos somente os outros. Para crescer, é necessário que estejamos mais prontos em sempre avaliar a nós mesmos, até mesmo na situação e queda de outras pessoas. Pois, na verdade, só podemos realmente avaliar a nós mesmos.
Aprender a aprender até com quem está errando pode ser um excelente exercício de metanóia, mudança de mente. Mas, se você aprender com qualquer irmão, não hesite em fortalecer a fé do seu irmão, falando para ele o quanto determinada situação está sendo também proveitosa para você. Mostre ao faltoso que a vida dele, de alguma maneira pode ser usada por Deus como está sendo usada na sua.

A lei da semeadura (versos 7 a 10)

 Paulo trabalha com um alerta e tem o objetivo de nos exortar e estimular à prática do bem ao nosso semelhante.
Quando afirma que de Deus não se zomba, está claramente esclarecendo que o nosso coração carnal pode enganar aos homens, mas nunca a Deus. Deus sabe a diferença entre quem vive pela carne e quem vive pelo espírito. Por isto é certo que ele nos dará conforme o modo como estamos vivendo, afinal nossas experiências revelam quem somos.
O tema do verso 8 trata da questão de que não podemos esperar esta bem na relação com Deus, se vivemos na carne, mas também que, por outro lado, podemos descansar no fato de que se nos esforçamos por andar no Espírito, colheremos o que do Espírito procede.
Os versos seguintes (9 e 10) concluem enfatizando o fato de que o nosso próximo é a lavoura onde semeamos. Na convivência e no amor ao próximo é que nos dispomos para a vida no Espírito. Portanto, aproveitar bem todas as oportunidades é sempre fundamental para quem deseja treinar a mente a viver segundo o Espírito Santo.

A vida como exemplo para os outros (versos 11 a 18)

Como Paulo está num momento bastante prático da aplicação da sua doutrina e da sua percepção sobre os erros das igrejas da Galácia, ele finaliza com um exemplo vivo, um contraste entre ele e os falsos mestres.
Ele não deixa dúvidas de que seja ele mesmo a falar de si. Não se trata de ostentação do ego, mas de uma clara convicção de estar no caminho correto.
Ele começa a colocar-se como exemplo explorando o contraste entre o propósito do “evangelho falso” pregado pelos falsos irmãos e o que ele pregou.
Nos versos 12 e 13, ele pontua sobre o fato de que os falsos irmãos sugerem um caminho carnal de auto justiça para os crentes da Galácia com a finalidade de contarem vitória pessoal por fazerem prevalecer o seu “evangelho” sobre eles. Contudo, o problema da incoerência deles é que, ao passo que exigem uma obra tão física e grotesca como a circuncisão, não estão dispostos a guardar a Lei, que dizem tanto apreciar. Provavelmente, porque mordiam e devoravam os que não se lhes submetiam.
Enquanto estes falsos mestres queriam mostrar força na sua capacidade de doutrinar e conduzir o povo a um sistema que os subordinava, Paulo, por outro lado, não precisava que o evangelho o exaltasse, desde que mostrasse e exaltasse a Cristo.
Por isto, ele jamais buscou gloriar a si mesmo como pregador do Evangelho aos gálatas, antes, preferiu que o seu evangelho evidenciasse a obra e suficiência da Cruz de Cristo (verso 14).
Ele completa o seu pensamento, dizendo que a Cruz de Cristo tirou todas as suas esperanças de glórias vindas do mundo e o fez descansar unicamente no fato de que Cristo mudou o seu coração e o fez viver segundo um princípio novo, que ele diz que é muito melhor que a circuncisão ou a incircuncisão: o ser nova criatura.
Esta é a norma, ou a lei que se deve seguir: o ser nova criatura, guiada pelo Espírito Santo, ter a mente restaurada para pensar cristorreferentemente. Paulo confirma que nenhuma falha havia no seu Evangelho. Ao contrário, ele sabia que este Evangelho lhe marcava com as marcas de Cristo.
Penso que a forma com que Paulo encerrou esta carta é significativa. Ele propõe a graça como no começo a propôs como padrão da nossa segurança em Cristo e pede que ela esteja com o espírito dos crentes, isto é, esteja no coração, mente deles. Uma vez que é assim que o Espírito faz: fala ao nosso espírito que somos filhos de Deus e por Ele clamamos Aba Pai

sábado, 4 de maio de 2013

Treinamento da Mente Por Meio de Uma Liturgia Teorrerente


(texto a ser adaptado posteriormente para o tema Inteligência Redencional) 

A Música na Igreja Como Ferramenta da Palavra
(Palestra ministrada na IP Santo Amaro, por ocasião do Congresso de Música – Maio de 2013)
Introdução
Em nossa reflexão desta tarde não pretendo abordar os aspectos mais discutidos sobre a questão musical na Igreja. Quero fazer côro como Maestro Parcival Módolo que afirma que o nosso problema da atual discussão sobre o tema é que está enfatizando sempre o tema: qual música? Quando deveria se ocupar em perguntar: para que música?
Abordaremos o tema para nossa reflexão de um ponto de vista do propósito da música na Igreja, em particular no culto de adoração, dentro de uma perspectiva protestante reformada, que pontua sobre o papel central da Palavra de Deus no contexto da adoração.
Destarte, a música será abordada como uma ferramenta da Palavra e o faremos, principalmente, a partir da forma como a mesma deve ser utilizada dentro de um processo litúrgico, sem ferir os valores  fundamentais do princípio regulador do culto reformado, as Escrituras.

O Papel Didático do Culto Protestante
Diferentemente do padrão católico de liturgia, que privilegia a impressão e expressão sensoriais, o culto protestante evidencia a a expressão e impressão racionais, antes de todo o trajeto sensorial, sem descartá-lo, entretanto, tornando-o resultado e não caminho.
Um dos princípios norteadores da Reforma Protestante foi a adoção do “Sola Scriptura” como fundamento de toda a autoridade na Igreja. Enquanto que no Catolicismo Romano a autoridade se acha diluída entre vários elementos (Escritura, magistério da Igreja, tradição, palavra papal), entre os protestantes nada pode usurpar o lugar único das Escrituras como “única regra de fé e prática”.
Este princípio conduziu o protestantismo a um modelo cúltico centrado na prédica da Palavra. A autoridade não está na instituição, mas na verdade proclamada com fidelidade. Podemos dizer que o culto protestante é, essencialmente, a busca de Deus por meio do ouvir e proclamar da sua Palavra.
O elemento cognitivo racional é, portanto, preponderante na tradição cúltica protestante. Há dois movimentos implícitos aqui: a) o culto a Deus só pode ser adequadamente realizado se tivermos uma compreensão depurada da revelação bíblica; b) o culto a Deus é, acima de tudo, o momento onde o encontro com Deus proporciona o conhecimento mais apurado dele, através da pregação da Palavra.
Calvino, comentando o Salmo 50, assim afirmou: “o culto que não tem uma distinta referência à Palavra outra coisa não é senão uma corrupção das coisas sacras” (CALVINO, Livro dos Salmos Vol2, pág.403). .  
O culto protestante, com sua centralidade na Palavra de Deus, prestava-se ao papel didático de apresentar a verdade da Palavra para o crescimento do relacionamento centrado em Deus, por meio de um mais acurado conhecimento das Escrituras.
Portanto, o elemento originador e regulador do culto, bem como o a finalidade do mesmo é Deus por meio de sua Palavra. Ela é o veículo de abordagem e ensino do culto protestante. Por ela nos achegamos a Deus, segundo a sua vontade e prescrição e ela anuncia as verdades de Deus que promovem a nossa fé e comunhão com Ele.

A Música Como Ferramenta Didática da Palavra no Culto
Partindo do princípio de que a Palavra figura no centro do processo litúrgico protestante, todo o trabalho dialogal de “expressão” e “impressão” é conduzido por ela. Assim, a Palavra é o aio que conduz o adorador a Deus e Deus ao adorador.
O Caráter Dialogal do Culto
Por caráter dialogal do culto, entendemos aquela ideia de que, no momento do culto, Deus se encontra com o seu povo e lhe fala ao coração e este, por sua vez, lhe responde.
Von Allmen definia como “palavra anagnóstica” (sem o propósito fundamental do ensino, como a prédica), toda a circunstância litúrgica em que a palavra era lida para a condução do povo de Deus, e este, com seus gestos, orações e cânticos, respondia como num verdadeiro diálogo entre Deus e seu povo.
O Salmo 99 pode exemplificar este processo: o salmista, nos versos 1 a 3, faz o seguinte movimento: anuncia a glória do Senhor (vs1 e 2); conclama a resposta do povo (vs3) e o povo responde (VS 4); novamente conclama a resposta (vs5); cita o contexto da Palavra (vs6 e 7); o povo responde (vs8) e novamente conclama a resposta (VS 9).
Então, dentro deste movimento dialogal que inicialmente veremos o papel didático da música como serva da Palavra.

A Música e o diálogo liturgico
Dentro desta característica dialogal do culto, a música pode exercer papel um fundamental. Afinal, é música é um invólucro especial para servir tanto na impressão, que é o anúncio do que Deus diz, quanto na expressão que é a resposta da igreja.
Imaginemos uma ordem litúrgica que conclamasse o povo à adoração com a leitura do Salmo 29.1e 2. A música que viesse a seguir poderia ser uma sequencia desta palavra, com por exemplo: “Vinde ó remidos, filhos de Deus, cantai louvores que alcancem os céus”, buscando imprimir um senso de busca, reforçando a leitura, ou uma música de resposta ao chamado como expressão da submissão da Igreja ao chamado: “Eis-nos ó pastor divino, todos juntos num lugar”.
Evidentemente, o diálogo cúltico não se resume aos cânticos entoados. É plenamente possível um culto com a mesma característica sem música alguma. Contudo, devemos considerar que este processo, quando acompanhada pela arte musical, se potencializa em termos de envolvimento pessoal e no propósito de aprofundamento do sentimento e das convicções propostos.

A Música e a Valorização do Texto
Sobre este assunto, recomendo o excelente texto do Maestro Parcival Módolo: “Música: Explicatio Textus, predicatio Sonora” (Fides Reformata, Vol. 1, 1996).
Em resumo, o princípio da Reforma é que a música era serva da Palavra, no sentido de que trabalha artisticamente para ressaltar a palavra, tanto o entendimento da mesma, como preparar o povo para tal. Até mesmo a música instrumental no culto, deve trabalhar com esta meta: conduzir o homem à Deus, por meio da Palavra, ou seja, conduzir o coração humano para um estado mental de percepção da palavra.
Contudo, apesar do material ser rico na apresentação deste ponto. Quero completar a ideia de valorização do texto, ainda por outra vertente, uma mais pragmática musical.
Uma outra maneira da música servir à Palavra tem a ver com a sua própria composição. Como não sou músico, dou aqui meu pitaco, mas me permito a correções de todos vocês.
A formação métrica/numérica da música pode, e muito, auxiliar na fixação de conceitos, ou ao menos, na ênfase de alguns deles. Por exemplo:
Uma música que fale sobre a ressurreição, é  bom que tenha uma elemento que ressalte a ideia de elevação, como por exemplo o estribilho: “Ressurgiu... ressurgiu... aleluia, ressurgiu!”. Por outro lado, uma música que carregue o sentimento de culpa, próprio do homem que reconhece os seus pecados, deve carregar o tom triste, pesaroso como do hino de Lutero: “do fundo de um abismo, ó Deus... eu faço ouvir meu grito... atenta lá dos altos céus... na dor de um pobre aflito”. Veja que a construção musical favorece e fortalece a mensagem anunciada e a resposta pretendida à Palavra.
Uma outra maneira ainda da composição de uma música favorecer a ênfase e fixação de conceitos é o seu contínuo intercalar de notas agudas e graves. Um exemplo interessante é o hino: “Ao DEUS, de ABRÃO, LOUVAI! Dos altos CÉUS, SENHOR!” Ou ainda: “vamos NÓS trabalhar somos SERVOS de Deus”.
Podemos dizer que um dos referenciais bíblicos para esta abordagem é justamente alguns sinais que aparecem no texto dos salmos que podem indicar a ideia de reforço, como a presença do SELAH em algumas estrofes dos salmos, ou ainda a necessidade do uso de um determinado tipo de voz ou instrumento no canto do Salmo. (Exemplo de Salmo 3; Salmo 46, Salmo 53).
Evidentemente, o trabalho técnico do músico compositor deve estar sensivelmente ligado ao trabalho dos exegetas da Palavra, no sentido de que sua música reforce uma ênfase pretendida pela Palavra de Deus.
Desta maneira, a composição pode, em muito, favorecer a valorização do texto bíblico e a impressão de conceitos fundamentais.

A Música e a Memória e Identidade Teológica da Igreja
Salmo 78. 3 e 4 – O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a seus filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do Senhor, e o seu poder, e as maravilhas que fez”
Outra maneira de destacar o papel didático da música é a capacidade que ela tem de oferecer impressões na memória do ser humano.
Farto material de cunho psicológico já existe para trabalhar tecnicamente sobre este poder da música e as áreas da mente que ela é capaz de exercitar e incitar.
A memória teológica da Igreja tem na música um dos seus principais instrumentos. É verdade, que tanto para bem, quanto para mal. Pois, muitas vezes, conceitos teológicos errôneos e até textos bíblicos são equivocadamente ensinados e se perpetuam no sei da Igreja.
As cantilenas e cantochões serviam formidavelmente para favorecer a memorização de longos textos bíblicos. O cântico de passagens bíblicas servem desta forma ainda hoje. Da mesma forma, a propagação de doutrinas e princípios éticos são também favorecidos.
A tradição teológica pode ser representada em termos de nossas músicas, os quais também servem como fatores de fortalecimento de uma identidade.
O Dr. Antônio Gouvêa Mendonça, no seu livro “Celeste Porvir” dá muitos exemplos de como a hinódia protestante fora instrumento particular de transmissão de sua tradição teológica e de seus referenciais doutrinários no processo de evangelização da América Latina.
A transmissão das músicas através das gerações, forma um elo afetivo de unidade e identidade de uma tradição religiosa. Imagine, dentre os crentes presbiterianos independentes o que significa o canto de “Pendão Real” ou para os lutenanos cantar “Castelo Forte”.
Nossa hinódia tem muito a ver com nossa identidade e memória teológica. A música pode servir à Igreja também como elemento de transmissão de valores, princípios e teologia.

A Música e a Horizontalidade da Fé
Nem toda música cristã tem um propósito litúrgico. Assim, também tínhamos em Israel, músicas de cunho religioso, como vários dos salmos, que não tinham uma proposta litúrgica. Os cânticos de romagem (Salmo 133), por exemplo, serviam primordialmente para embalar a jornada de fé que os israelitas faziam para o templo, vindo das mais diversas partes da terra.
Estes cânticos celebravam Deus de uma maneira particular nas rodas de amizade e muitas vezes eram entoados para alegrar festas. O tema central é sempre Deus, sua bondade e amor para com o seu povo. Cantavam a proteção do Senhor, a unidade do povo de Deus e, a esperança que tinham no Altíssimo.
Acredito que a falta de momentos de horizontalidade da fé, tenha trazido para o culto do Senhor alguns hábitos litúrgicos que são estranhos à fé reformada, inclusive a confusão que fazemos no uso da música que se desprende do princípio da teocentricidade do culto.

Canto Congregacional, Coral, Conjuntos e Solos
Outro ponto de equilíbrio que precisamos trabalhar dentro do conceito dialogal e cristocêntrico do culto, regulado pela Palavra é quanto a quem executa a música na Igreja.
A Bíblia não parece estabelecer nenhum padrão único. Acredito que o canto congregacional deva ser bastante estimulado no culto. Uma vez que, como protestantes, prezamos pelo princípio do sacerdócio de todos os santos, limitar a ministração dos cânticos ou mesmo das orações em apenas alguns membros pode gerar alguma descaracterização deste princípio.
Mas, o que deveria regular a participação de todos estes elementos? Bem, a música é serva da Palavra, primeiramente, a melhor expressão ou impressão decorrente do texto bíblico, lido anagnósticamente ou para a prédica.
Daí a ideia de que a aproximação entre os pastor e todos os outros partícipes da construção litúrgica é fundamental. O repertório da Igreja não pode ser desconhecido de todas estas pessoas e, mesmo quando o pastor não conhece todo o repertório dos diversos grupos, estes devem conhecer trabalho litúrgico com tempo suficiente para um arranjo apropriado das músicas que serão dirigidas.
A figura de um líder de música ou diretor, regente, ministro, como queiram denominar, que tenha sensibilidade para a questão cristocêntrica e dialogal do culto pode favorecer bastante a realização de uma liturgia conduzida pela Palavra.