sábado, 4 de maio de 2013

Treinamento da Mente Por Meio de Uma Liturgia Teorrerente


(texto a ser adaptado posteriormente para o tema Inteligência Redencional) 

A Música na Igreja Como Ferramenta da Palavra
(Palestra ministrada na IP Santo Amaro, por ocasião do Congresso de Música – Maio de 2013)
Introdução
Em nossa reflexão desta tarde não pretendo abordar os aspectos mais discutidos sobre a questão musical na Igreja. Quero fazer côro como Maestro Parcival Módolo que afirma que o nosso problema da atual discussão sobre o tema é que está enfatizando sempre o tema: qual música? Quando deveria se ocupar em perguntar: para que música?
Abordaremos o tema para nossa reflexão de um ponto de vista do propósito da música na Igreja, em particular no culto de adoração, dentro de uma perspectiva protestante reformada, que pontua sobre o papel central da Palavra de Deus no contexto da adoração.
Destarte, a música será abordada como uma ferramenta da Palavra e o faremos, principalmente, a partir da forma como a mesma deve ser utilizada dentro de um processo litúrgico, sem ferir os valores  fundamentais do princípio regulador do culto reformado, as Escrituras.

O Papel Didático do Culto Protestante
Diferentemente do padrão católico de liturgia, que privilegia a impressão e expressão sensoriais, o culto protestante evidencia a a expressão e impressão racionais, antes de todo o trajeto sensorial, sem descartá-lo, entretanto, tornando-o resultado e não caminho.
Um dos princípios norteadores da Reforma Protestante foi a adoção do “Sola Scriptura” como fundamento de toda a autoridade na Igreja. Enquanto que no Catolicismo Romano a autoridade se acha diluída entre vários elementos (Escritura, magistério da Igreja, tradição, palavra papal), entre os protestantes nada pode usurpar o lugar único das Escrituras como “única regra de fé e prática”.
Este princípio conduziu o protestantismo a um modelo cúltico centrado na prédica da Palavra. A autoridade não está na instituição, mas na verdade proclamada com fidelidade. Podemos dizer que o culto protestante é, essencialmente, a busca de Deus por meio do ouvir e proclamar da sua Palavra.
O elemento cognitivo racional é, portanto, preponderante na tradição cúltica protestante. Há dois movimentos implícitos aqui: a) o culto a Deus só pode ser adequadamente realizado se tivermos uma compreensão depurada da revelação bíblica; b) o culto a Deus é, acima de tudo, o momento onde o encontro com Deus proporciona o conhecimento mais apurado dele, através da pregação da Palavra.
Calvino, comentando o Salmo 50, assim afirmou: “o culto que não tem uma distinta referência à Palavra outra coisa não é senão uma corrupção das coisas sacras” (CALVINO, Livro dos Salmos Vol2, pág.403). .  
O culto protestante, com sua centralidade na Palavra de Deus, prestava-se ao papel didático de apresentar a verdade da Palavra para o crescimento do relacionamento centrado em Deus, por meio de um mais acurado conhecimento das Escrituras.
Portanto, o elemento originador e regulador do culto, bem como o a finalidade do mesmo é Deus por meio de sua Palavra. Ela é o veículo de abordagem e ensino do culto protestante. Por ela nos achegamos a Deus, segundo a sua vontade e prescrição e ela anuncia as verdades de Deus que promovem a nossa fé e comunhão com Ele.

A Música Como Ferramenta Didática da Palavra no Culto
Partindo do princípio de que a Palavra figura no centro do processo litúrgico protestante, todo o trabalho dialogal de “expressão” e “impressão” é conduzido por ela. Assim, a Palavra é o aio que conduz o adorador a Deus e Deus ao adorador.
O Caráter Dialogal do Culto
Por caráter dialogal do culto, entendemos aquela ideia de que, no momento do culto, Deus se encontra com o seu povo e lhe fala ao coração e este, por sua vez, lhe responde.
Von Allmen definia como “palavra anagnóstica” (sem o propósito fundamental do ensino, como a prédica), toda a circunstância litúrgica em que a palavra era lida para a condução do povo de Deus, e este, com seus gestos, orações e cânticos, respondia como num verdadeiro diálogo entre Deus e seu povo.
O Salmo 99 pode exemplificar este processo: o salmista, nos versos 1 a 3, faz o seguinte movimento: anuncia a glória do Senhor (vs1 e 2); conclama a resposta do povo (vs3) e o povo responde (VS 4); novamente conclama a resposta (vs5); cita o contexto da Palavra (vs6 e 7); o povo responde (vs8) e novamente conclama a resposta (VS 9).
Então, dentro deste movimento dialogal que inicialmente veremos o papel didático da música como serva da Palavra.

A Música e o diálogo liturgico
Dentro desta característica dialogal do culto, a música pode exercer papel um fundamental. Afinal, é música é um invólucro especial para servir tanto na impressão, que é o anúncio do que Deus diz, quanto na expressão que é a resposta da igreja.
Imaginemos uma ordem litúrgica que conclamasse o povo à adoração com a leitura do Salmo 29.1e 2. A música que viesse a seguir poderia ser uma sequencia desta palavra, com por exemplo: “Vinde ó remidos, filhos de Deus, cantai louvores que alcancem os céus”, buscando imprimir um senso de busca, reforçando a leitura, ou uma música de resposta ao chamado como expressão da submissão da Igreja ao chamado: “Eis-nos ó pastor divino, todos juntos num lugar”.
Evidentemente, o diálogo cúltico não se resume aos cânticos entoados. É plenamente possível um culto com a mesma característica sem música alguma. Contudo, devemos considerar que este processo, quando acompanhada pela arte musical, se potencializa em termos de envolvimento pessoal e no propósito de aprofundamento do sentimento e das convicções propostos.

A Música e a Valorização do Texto
Sobre este assunto, recomendo o excelente texto do Maestro Parcival Módolo: “Música: Explicatio Textus, predicatio Sonora” (Fides Reformata, Vol. 1, 1996).
Em resumo, o princípio da Reforma é que a música era serva da Palavra, no sentido de que trabalha artisticamente para ressaltar a palavra, tanto o entendimento da mesma, como preparar o povo para tal. Até mesmo a música instrumental no culto, deve trabalhar com esta meta: conduzir o homem à Deus, por meio da Palavra, ou seja, conduzir o coração humano para um estado mental de percepção da palavra.
Contudo, apesar do material ser rico na apresentação deste ponto. Quero completar a ideia de valorização do texto, ainda por outra vertente, uma mais pragmática musical.
Uma outra maneira da música servir à Palavra tem a ver com a sua própria composição. Como não sou músico, dou aqui meu pitaco, mas me permito a correções de todos vocês.
A formação métrica/numérica da música pode, e muito, auxiliar na fixação de conceitos, ou ao menos, na ênfase de alguns deles. Por exemplo:
Uma música que fale sobre a ressurreição, é  bom que tenha uma elemento que ressalte a ideia de elevação, como por exemplo o estribilho: “Ressurgiu... ressurgiu... aleluia, ressurgiu!”. Por outro lado, uma música que carregue o sentimento de culpa, próprio do homem que reconhece os seus pecados, deve carregar o tom triste, pesaroso como do hino de Lutero: “do fundo de um abismo, ó Deus... eu faço ouvir meu grito... atenta lá dos altos céus... na dor de um pobre aflito”. Veja que a construção musical favorece e fortalece a mensagem anunciada e a resposta pretendida à Palavra.
Uma outra maneira ainda da composição de uma música favorecer a ênfase e fixação de conceitos é o seu contínuo intercalar de notas agudas e graves. Um exemplo interessante é o hino: “Ao DEUS, de ABRÃO, LOUVAI! Dos altos CÉUS, SENHOR!” Ou ainda: “vamos NÓS trabalhar somos SERVOS de Deus”.
Podemos dizer que um dos referenciais bíblicos para esta abordagem é justamente alguns sinais que aparecem no texto dos salmos que podem indicar a ideia de reforço, como a presença do SELAH em algumas estrofes dos salmos, ou ainda a necessidade do uso de um determinado tipo de voz ou instrumento no canto do Salmo. (Exemplo de Salmo 3; Salmo 46, Salmo 53).
Evidentemente, o trabalho técnico do músico compositor deve estar sensivelmente ligado ao trabalho dos exegetas da Palavra, no sentido de que sua música reforce uma ênfase pretendida pela Palavra de Deus.
Desta maneira, a composição pode, em muito, favorecer a valorização do texto bíblico e a impressão de conceitos fundamentais.

A Música e a Memória e Identidade Teológica da Igreja
Salmo 78. 3 e 4 – O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a seus filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do Senhor, e o seu poder, e as maravilhas que fez”
Outra maneira de destacar o papel didático da música é a capacidade que ela tem de oferecer impressões na memória do ser humano.
Farto material de cunho psicológico já existe para trabalhar tecnicamente sobre este poder da música e as áreas da mente que ela é capaz de exercitar e incitar.
A memória teológica da Igreja tem na música um dos seus principais instrumentos. É verdade, que tanto para bem, quanto para mal. Pois, muitas vezes, conceitos teológicos errôneos e até textos bíblicos são equivocadamente ensinados e se perpetuam no sei da Igreja.
As cantilenas e cantochões serviam formidavelmente para favorecer a memorização de longos textos bíblicos. O cântico de passagens bíblicas servem desta forma ainda hoje. Da mesma forma, a propagação de doutrinas e princípios éticos são também favorecidos.
A tradição teológica pode ser representada em termos de nossas músicas, os quais também servem como fatores de fortalecimento de uma identidade.
O Dr. Antônio Gouvêa Mendonça, no seu livro “Celeste Porvir” dá muitos exemplos de como a hinódia protestante fora instrumento particular de transmissão de sua tradição teológica e de seus referenciais doutrinários no processo de evangelização da América Latina.
A transmissão das músicas através das gerações, forma um elo afetivo de unidade e identidade de uma tradição religiosa. Imagine, dentre os crentes presbiterianos independentes o que significa o canto de “Pendão Real” ou para os lutenanos cantar “Castelo Forte”.
Nossa hinódia tem muito a ver com nossa identidade e memória teológica. A música pode servir à Igreja também como elemento de transmissão de valores, princípios e teologia.

A Música e a Horizontalidade da Fé
Nem toda música cristã tem um propósito litúrgico. Assim, também tínhamos em Israel, músicas de cunho religioso, como vários dos salmos, que não tinham uma proposta litúrgica. Os cânticos de romagem (Salmo 133), por exemplo, serviam primordialmente para embalar a jornada de fé que os israelitas faziam para o templo, vindo das mais diversas partes da terra.
Estes cânticos celebravam Deus de uma maneira particular nas rodas de amizade e muitas vezes eram entoados para alegrar festas. O tema central é sempre Deus, sua bondade e amor para com o seu povo. Cantavam a proteção do Senhor, a unidade do povo de Deus e, a esperança que tinham no Altíssimo.
Acredito que a falta de momentos de horizontalidade da fé, tenha trazido para o culto do Senhor alguns hábitos litúrgicos que são estranhos à fé reformada, inclusive a confusão que fazemos no uso da música que se desprende do princípio da teocentricidade do culto.

Canto Congregacional, Coral, Conjuntos e Solos
Outro ponto de equilíbrio que precisamos trabalhar dentro do conceito dialogal e cristocêntrico do culto, regulado pela Palavra é quanto a quem executa a música na Igreja.
A Bíblia não parece estabelecer nenhum padrão único. Acredito que o canto congregacional deva ser bastante estimulado no culto. Uma vez que, como protestantes, prezamos pelo princípio do sacerdócio de todos os santos, limitar a ministração dos cânticos ou mesmo das orações em apenas alguns membros pode gerar alguma descaracterização deste princípio.
Mas, o que deveria regular a participação de todos estes elementos? Bem, a música é serva da Palavra, primeiramente, a melhor expressão ou impressão decorrente do texto bíblico, lido anagnósticamente ou para a prédica.
Daí a ideia de que a aproximação entre os pastor e todos os outros partícipes da construção litúrgica é fundamental. O repertório da Igreja não pode ser desconhecido de todas estas pessoas e, mesmo quando o pastor não conhece todo o repertório dos diversos grupos, estes devem conhecer trabalho litúrgico com tempo suficiente para um arranjo apropriado das músicas que serão dirigidas.
A figura de um líder de música ou diretor, regente, ministro, como queiram denominar, que tenha sensibilidade para a questão cristocêntrica e dialogal do culto pode favorecer bastante a realização de uma liturgia conduzida pela Palavra.

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