“Salmo 84”
Ao mestre de canto, segundo a melodia “os lagares”.
Salmo dos filhos de Coré
Introdução
O salmo 84, inserido no terceiro livro de Salmos, é
um representante daqueles que a composição foram atribuídas aos filhos de Coré.
Fora este salmo, outros três tem a mesma autoria: 85, 87 e 88, além do grupo
42-49 do segundo livro.
Trata-se de um salmo de exaltação do valor do
templo do Senhor em Jerusalém. Este é um dos aspectos mais importantes deste
salmo e um dos temas recorrentes em todo o saltério.
O templo, a Casa de Deus, o lugar da adoração era
um dos aspectos centrais da relação de Deus com o seu povo. E, como já vimos,
está diretamente ligada à ideia de adoração e a glória do Senhor (Halel) tão
presente em toda a organização do saltério.
Neste estudo, vamos aproveitar e aprender uma nova
maneira de encontrar e estruturar a mensagem de um salmo.
O autor e o título
Como sempre, as questões contextuais do autor são
sempre muito importantes no estudo de um salmo. Às vezes, como no Salmo 54 que
menciona um contexto histórico explícito, somos abastecidos de informações que
levaram à composição do salmo e tais informações nos ajudam a entender melhor a
sua mensagem.
No caso de hoje, não temos um contexto histórico
específico, mas temos autores bem específicos. Os outros salmos que eles
compuseram podem nos ajudar a identificar algum tema unificador, a sua função
templária também pode nos oferecer ferramentas de entendimento e, assim,
conhecer os filhos de Coré pode ser uma das ferramentas interessantes para o
estudo deste salmo e seus equivalentes.
Os filhos de Coré
A família de Coré, o líder rebelde que teve sua
tenda destruída pelo Senhor quando se revoltou contra a liderança de Moisés
(ver Números 16. 20-32).
Coré era neto de Coate e, portanto, do grupo dos
coatitas da tribo dos levitas. Além dos filhos de Arão, a tribo dos levitas
fora dividida em outros três grupos: os gersonitas, os meraritas e os coatitas.
O trabalho desses outros grupos não era ligado ao sacrifício em si, mas ao
transporte dos utensílios do tabernáculo (ver Números 4.1-33).
Havendo, pois, Arão e seus filhos, ao partir do arraial, acabado de
cobrir o santuário e todos os móveis dele, então, os filhos de Coate virão para
levá-lo; mas, nas cousas santas, não tocarão, para que não morram; são estas as
coisas da tenda da congregação que os filhos de Coate devem levar. (...) Arão e
seus filhos entrarão e lhes designarão a cada um o seu serviço e a sua carga.
Porém os coatitas não entrarão, nem por um instante, para ver as coisas santas,
para que não morram (Números 4.15-20).
Passado o tempo, Coré, o neto de Coate, se insurgiu
contra essa ordenação do tabernáculo e se aliou a outros membros de outras
tribos (Datã e Abirão) para oferecer resistência à Moisés e seu irmão Arão. O
resultado, como nós vimos no capítulo 16 de Números é que a terra se abriu e
consumiu tudo o que tinham e depois o Senhor também eliminou os que pretendiam
oferecer incenso com fogo estranho ao Senhor:
E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra
debaixo deles se fendeu, abriu a sua boca e os tragou com as suas casas, como
também todos os homens que pertenciam a Coré e todos os seus bens. Eles e todos
os que lhes pertenciam desceram vivos ao abismo; a terra os cobriu e pereceram
do meio da congregação (Números 16.31-33).
Procedente do Senhor saiu fogo e consumiu os duzentos e cinquenta
homens que ofereciam incenso (Números 16.35).
Mais tarde, quando Moisés registra o censo dos
israelitas, verificamos que nem todos da casa de Coré foram consumidos. O
Senhor poupou os “filhos de Coré”, os quais continuaram a servir no seu labor
do tabernáculo.
Os filhos de Eliabe: Nemuel, Datã e Abirão; estes, Datã e Abirão, são
os que foram eleitos pela congregação, os qusi moveram a contenda contra Moisés
e contra Arão, no grupo de Coré, quando moveram a contenda contra o Senhor;
quando a terra abriu a boca e os tragou com Coré, morrendo aquele grupo; quando
o fogo consumiu duzentos e cinquenta homens, e isso serviu de advertência. Mas,
os filhos de Coré não morreram (Números 26.9-11).
Em serviço contínuo no tabernáculo nas saídas do
povo de Israel, esses homens aprenderam o lugar da adoração na vida de sua
comunidade e o seu lugar como instrumentos deste poderoso recurso dado por Deus
ao povo. Eles também foram inseridos no trabalho do Tabernáculo, quando este
deixou de ser andarilho, nos dias de Davi.
Os porteiros: Salum, Acube, Talmom e Aimã e os irmãos deles; Salum era
o chefe. (...) Salum, filho de Coré, filho de Ebiasafe, filho de Corá, e seus
irmãos da casa de seu pai, os coreítas, estavam encarregados da obra do
ministério e eram guardas das portas do tabernáculo; e seus pais tinham sido encarregados
do arraial do Senhor, e eram guardas da entrada (1 Crônicas 9.17-20).
E uma outra parte dessa família foi inserida entre
os músicos do serviço do tabernáculo, no côro dirigido por Hemã, Jedutum (Etã)
e Asafe.
São estes os que Davi constituiu para dirigir o canto na Casa do
Senhor, depois que a arca teve repouso. Ministravam diante do tabernáculo da
tenda da congregação com cânticos, até que Salomão edificou a Casa do Senhor em
Jerusalém; e exercitavam o seu ministério segundo a ordem prescrita. São estes
os que serviam com seus filhos. Dos filhos dos coatitas: Hemã, o cantor, filho
de Joel, filho de Samuel (1 Crônicas 6.31-33).
Lá estavam os filhos de Coré, mesmo depois, no
período de Salomão, entronizados na vida templária, servindo a Deus como porteiros
e cantores do Senhor. Desse grupo é que surgiram os compositores dos 12 salmos
coraítas do Saltério e dentro do seu contexto de lutas em prol da fé de Israel
é que eles foram chamados a compor
canções que tinham como ênfase a vida com Deus e o louvor da sua glória.
Acredito que no Salmo 84, um versículo era muito
significativo para esse grupo:
Pois um dia nos teus átrios vale mais que mil; prefiro estar à porta da
casa do meu Deus, a permanecer nas tendas da perversidade (Salmo 84.10).
Ao Mestre de Canto - Segundo a Melodia “Os Lagares”
Não é fácil determinar o que essa melodia poderia
significar. Via de regra, quando um salmo deveria ser cantado segundo uma
melodia específica, os cantores e todos os adoradores entendiam a ênfase que
era dada àquele momento litúrgico e o espírito de adoração era conduzido por
isso.
O dirigente, possivelmente Hemã, o sábio, (1 Reis
4.31), o líder do Côro, conhecido como “Os Filhos de Coré”, que eram reputados
por serem homens a quem o Senhor conservara com misericórdia e providência. Ele
deveria conduzir o povo nesse salmo, levando à experiência intelectual de
discernir o valor da Casa de Deus, segundo a melodia “Os Lagares”.
Essa melodia não tem um significado explicado, mas
a palavra hebraica que a define pode nos ajudar. Ela é usada em outros dois
salmos: Salmo 8, Salmo 81. Em ambos, a exaltação de Deus parece ser um tema
central e, aqui no 84, a glória da Casa de Deus, baseada na glória do Deus com
quem os homens se encontram.
A palavra “Gitite”, ou “Gate” em outros lugares,
indicava o lugar onde eram recolhidas as uvas, depois da colheita. Ela se
reportava à ideia de ir ao lugar onde o fruto do trabalho é depositado e
transformado em algo superior, onde a uva era transformada em vinho. Foi na
casa de um gitita ou geteu que a Arca da Aliança ficou hospedada até que fosse
levada a Jerusalém (2 Samuel 6.11)
Possivelmente, essa melodia indicava a preciosidade
do Senhor e a necessidade do homem de viver para a sua glória. O Salmo 84,
enfatiza o lugar onde isso ocorreria de forma mais preponderante: o templo, o
lugar da adoração.
Estruturando o Salmo 84
Nosso exercício não tem como finalidade oferecer
uma interpretação do Salmo, mas oferecer recursos para que o mesmo seja
interpretado e sirva como exemplo para o mesmo exercício em outros salmos.
Temos procurado enfatizar que identificar as
estrofes é uma forma de estruturar um salmo muito útil. Mas, essa não é a única
maneira de se estruturar um salmo.
Temos exercitado encontrar os sinais gráficos, que
foram preservados pelas publicadores que colocam em letras maiúsculas o início
de estrofes, ou ao menos os sinais gráficos que assim dão a entender haver uma
mudança de ritmo no salmo.
Veremos que estes sinais são apresentados nos
versos 1, 4 e 12. Mas, neste salmo, em particular, embora esses sinais nos
ajudem, vamos procurar um outro elemento estruturante.
Encontrando um tema ou uma frase que se repete
Uma outra forma de estruturar um salmo é
identificar nele, se um tema ou uma frase se repete ao longo da poesia.
Possivelmente, as repetições, quando consideradas percentualmente em um salmo,
podem indicar com certa segurança a intenção primordial do autor.
No caso do Salmo 84, encontramos um tema
recorrente: “Bem aventurados - feliz”. Esse tema é, além de uma repetição da
poesia, bastante importante para o contexto de todo o saltério, pois, como
vimos no estudo do Salmo 1, ele é a porta de entrada do “telos” (ideia central)
de todo o saltério. Não somente o saltério, mas um dos textos mais importantes
da Bíblia carrega essa noção de “bem-aventurança”, que é justamente o início do
Sermão da Montanha (Mateus 5, 6 e 7).
Estrutura em torno da “Bem-aventurança”
A primeira vez que essa expressão aparece é no
verso 4:
Bem-aventurados os que habitam em tua casa; louvam-te perpetuamente.
Aparece novamente imediatamente no verso 5:
Bem-aventurado o homem cuja força está em ti
Finalmente, aparece terceira e última vez no verso
12, ao final.
Ó Senhor dos Exércitos, feliz o homem que em ti confia.
Essa estrutura não tem um formato simétrico de
versos. Evidentemente, ela deve ser tratada com outro conceito. Nesse salmo, em
particular, a estrutura baseada nas estrofes das pausas ou sinais músicais
preservados pelas maiúsculas também não tem formato simétrico e isso nos ajuda
a não ter grande dúvida sobre qual estrutura usar. Afinal, já que ambas estão
sem simetria, escolher a estrutura temática pode ser um caminho melhor.
Verso 1-4 - A primeira bem-aventurança - a
exaltação da Casa de Deus
Esses versos iniciais foram compostos tendo como
foco primordial a exaltação da Casa de Deus e o prazer que o salmista tem de
estar nela. Ele mostra que os tabernáculos são amáveis e altamente desejáveis,
como lugar de acolhimento para uma experiência com a presença do seu Deus.
Ele encerra essa sessão com uma declaração formal
de bem-aventurança daqueles que habitam na Casa de Deus.
Versos 5-11 - A segunda bem-aventurança - o caminho
da experiência de quem busca a Casa de Deus
Essa segunda parte do tema do Salmo é a mais longa.
Ela é também a mais prática e direta sobre as experiência que os homens viviam
para chegar à Casa de Deus.
O salmista enfatiza como o caminho que leva o homem
à presença de Deus é trilhado. Primeiro, ele aponta para o coração que não vê
as montanhas da estrada, sente no seu coração, uma estrada sem dificuldades,
eles não criam empecilhos e não se deixam desanimar.
A proteção do Senhor em resposta às orações
daqueles que buscam ir à Casa de Deus parece despontar como o fator de tanta
tranquilidade e paz interior. Deus é o seu refúgio no caminho do deserto e seus
olhos estão postos sobre aqueles que o buscam.
Ao final dessa porção, vemos as razões que levam o
adorador a enfrentar a jornada: a alegria de estar na Casa de Deus e o fato de
que eles desfrutam do benefício de viver com Deus.
Versos 12 - A terceira bem-aventurança - Deus é o
centro da experiência templária
Um dos pontos que esse salmo ressalta ao seu final,
como também ao longo é que O Senhor dos Exércitos é o centro de toda a
experiência vivida na Casa de Deus.
Um dos aspectos mais complexos da relação de Deus
com os seus filhos no Velho Testamento é que muitas vezes, eles amaram mais o
Templo que o Senhor do Templo. Nesse salmo, a ênfase está no verdadeiro lagar,
onde toda a nossa vida tem sentido: Deus, ou o Senhor dos Exércitos.
Podemos notar que esse é um dos temas repetidos
nesse Salmo: verso 1, 3, 8, 12. Desta forma, podemos dizer que era intenção do
salmista unir esses dois temas: a bem-aventurança de viver em comunhão com o
Senhor dos Exércitos. Por isso, o lugar da adoração se fazia importante, pois
era o ponto de encontro entre ambos.
Conclusão
De forma muito particular, para os filhos de Coré a
experiência com o Templo ou o Tabernáculo era especial. Buscar viver para Deus
não implicava escolher o que fazer, mas ser escolhido por Deus para uma obra
específica. Volto a dizer que o verso 10 pode claramente apontar para isso.
Quando nos voltamos para os nossos dias, o lugar da
adoração se tornou em uma espécie de lugar onde buscamos alimentar a nossa
vontade e anseio humanos. Precisamos recuperar a alegria de buscar a Deus e a
sua glória. Nisso é que encontraremos a verdadeira alegria e sentido da vida.
Aplicação
Você deve encontrar outros salmos que possam ser
trabalhados por meio de sua estrutura temática e começar um treinamento de
estudos segundo esse modelo. Procure, primeiramente salmos mais curtos, pois
podem ser mais fáceis.