A meditação dogmática é a “meditação no ensino da palavra” por excelência. É o recurso de tomar o ensino bíblico sobre um tema e ruminar sobre o seu significado e implicações práticas e teológicas para a sua fé e vida.
Meditar dogmaticamente é o ato de trazer à mente doutrinas bíblicas e sobre elas considerar positivamente, procurando aplicar seu conteúdo ao seu dia-a-dia, tanto quanto, conhecer com mais profundidade aquela determinada área do conhecimento de Deus e sua vontade.
Esse método foi aplicado pelos servos de Deus e temos amostras claras do seu uso entre as personagens bíblicas, tanto quanto naquelas figuras históricas do cristianismo bíblico.
As mesmas considerações que fizemos no tema anterior “meditação ilustrativa” quanto à necessidade, bem como, a eficácia desse ato meditacional, com certeza podem ser aplicadas à meditação dogmática. Os mesmos critérios apontados para o homem do salmo 1, cuja vida era pautada pela Lei de Deus e nela buscava meditar, devem ser retomados agora na meditação dogmática.
Enquanto que na “meditação ilustrativa” nossa meditação partíamos de fora para dentro do nosso conhecimento adquirido da Lei de Deus (Toda a Escritura), ou seja, a realidade ao nosso redor nos fornecia os elementos meditacionais; na “meditação dogmática” é o conhecimento adquirido que nos leva a avaliar a realidade externa.
Em outras palavras, aquele conhecimento que você já possui em sua mente, muitas vezes apenas acumulado dentro do espectro mental, é a base da meditação dogmática. Na qual, o homem de Deus busca em sua mente uma doutrina aprendida e passa a considerá-la de uma maneira mais determinada e aprofundada.
Há vários estágios desse tipo de meditação, desde os mais simples até os mais aprofundados, nos quais, o servo de Deus se utiliza de recursos externos para a sua tarefa meditacional. Procuraremos trabalhar com esses elementos, fazendo pequenas simulações para exemplificar o método.
Antes de partirmos para a obra de simulação do método, deixe-me considerar duas coisas antes: a primeira é a inspiração desse método no trabalho dos teólogos sistemáticos; a outra consideração é quanto aos exemplos bíblicos de aplicação dessa rotina meditacional.
Na verdade, os teólogos sistemáticos não inventaram um método de estudo, mas reeditaram um método apresentado nas Escrituras, dando-lhe forma. Não buscarei adentrar nas questões históricas desse método de estudo da Palavra, apenas me referir ao conceito geral do mesmo.
A Teologia Sistemática é tradicionalmente conhecida como aquela atividade teológica de agrupar o conhecimento teológico debaixo de grandes temas e desenvolver doutrinariamente cada um deles. Por exemplo: o teólogo sistemático, estabelece um sistema de estudo da doutrina da salvação (soteriologia) e procura, então, definir os termos, selecionar os aspectos construtores desse conhecimento e depois estruturar a doutrina embasando-a a partir das diversas afirmações bíblicas que compõem esse tema.
Dessa forma, quando você toma um livro de Teologia Sistemática, você poderá identificar tudo o que aquele autor compilou sobre determinada doutrina dentro daquele tópico. Evidentemente, os estilos são diversos, mas em geral é assim que um Teólogo Sistemático trabalha.
A Bíblia não é um livro de Teologia Sistemática, embora seja ela a fonte da qual os sistemas teológicos dependem.
Entretanto, personagens bíblicos e mesmo os seus escritores, muitas vezes fazem uso dessa lógica sistemática para expor a Palavra de Deus e fazer suas afirmações de fé, a respeito de Deus e sua vontade.
Entretanto, personagens bíblicos e mesmo os seus escritores, muitas vezes fazem uso dessa lógica sistemática para expor a Palavra de Deus e fazer suas afirmações de fé, a respeito de Deus e sua vontade.
Faço lembrar aqui que partimos do pressuposto de crença na Inspiração e Inerrância das Escrituras, de forma que o labor teológico dos escritores bíblicos também são labores revelacionais do Espírito Santo, assim, nisto diferem completamente dos teólogos sistemáticos, cujos sistemas são derivados e não fonte de revelação divina. Portanto, o labor dos teólogos sistemáticos podem apresentar falhas, porém o dos escritores bíblicos não.
Exemplos Bíblicos de Meditação Dogmática
Procuraremos selecionar alguns exemplos bíblicos para ilustrar esse tópico, nos diversos tipos de literatura bíblica, desde o período inicial até as páginas do Novo Testamento.
O primeiros exemplo que tomaremos vem do Pentateuco, o Cântico de Moisés, em Deuteronômio 32. Quero considerar que devamos procurar construir o pensamento a respeito de como esse cântico foi construído na mente de Moisés.
Uma das coisas que notamos no início deste cântico é que Moisés conclama Israel a ouvir e considerar (“meditar”) naquela formulação que ele apresentava ao povo, acerca do Nome do SENHOR. Ele diz que aquelas palavras eram a sua “doutrina” sobre o Nome do SENHOR.
“Inclinai os ouvidos, ó céus, e falarei; ouça a terra as palavras da minha boca. Goteje a minha doutrina como a chuva, destile a minha palavra como o orvalho, como chuvisco sobre a relva e como gotas de água sobre a erva. Porque proclamarei o nome do SENHOR. Engrandecei o nosso Deus” (Deuteronômio 32.1 a 3).
Com essas palavras Moisés exige, de maneira poética a máxima atenção ao que ele irá fazer. Portanto, o que Moisés irá falar ele já tem conhecimento, e sabe o que irá dizer antes de o comunicar aos filhos de Israel. O seu intento é que eles conheçam essa doutrina e meditando nela venham a engrandecer o seu Deus.
Isto necessariamente aponta para o fato de que ele havia permanecido algum tempo pensando nessas coisas e construindo o seu pensamento sobre esse assunto. Agora, então, o que temos registrado em Deuteronômio 32 é o resultado do período de meditação de Moisés no ser e na obra de Deus.
O tema de sua meditação pode ser encontrado no verso 4:
“Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto”.
Moisés estava meditando na História de Jehovah com Israel, a quem Ele tirou do Egito e como Israel procedeu neciamente para com o seu Deus. Não atentaram para a sua fidelidade e abandanoram o Senhor para buscar a outros deuses. Esqueceram-se da Lei do Senhor e adoraram aos deuses dos povos. Por isso, Deus se vingou de boa parte deles no próprio deserto e os rejeitou, porque não pode conviver com a infidelidade, aquele que é Fiel.
Não iremos nos delongar em analisar todo “Cântico de Moisés”, desejamos apenas destacar o fato de que ele meditou sobre a fidelidade de Deus e sua retidão, e fez aplicação necessária para compreender a história de Israel naqueles anos no deserto, bem como, procurou aplicar isso à vida do povo de Deus.
Os versos finais do capítulo nos ajudam a compreender que a meditação dogmática de Moisés o levou à conclusões práticas sobre a vida de Israel e aos devidos afazeres decorrentes das considerações teológicas abordadas.
“Tendo Moisés falado todas estas palavras a todo o Israel, disse-lhes: Aplicai o coração a todas as palavras que, hoje, testifico entre vós, para que ordeneis a vossos filhos que cuidem de cumprir todas as palavras desta lei. Porque esta palavra não é para vós outras coisa vã; antes, é a vossa vida; e, por esta mesma palavra, prolongareis os dias na terra à qual, passando o Jordão, ides para a possuir” (Deuteronômio 32. 45 a 47).
Aqui podemos notar que os autores bíblicos tinham a prática de meditar em Deus, no seu ser e obras, ruminar nas implicações dessas verdades, conhecer o relacionamento que tinham com esse Deus e aplicar à sua vida, como forma de crescimento pessoal.
A meditação dogmática tem como objetivo uma aplicação final que faça com que a verdade, às vezes, apenas armazenada na mente, seja aprofundada e comece a fazer o papel transformador do nosso caráter, como deve acontecer com todas as verdades da Escritura.
Outro exemplo que iremos tomar vem dos Salmos. No caso, um Salmo de Asafe, o de número 73.
Neste texto maravilhoso, o salmista Asafe medita na bondade de Deus e como Ele se relaciona com os justos (os de coração limpo). O salmista declara que ele não compreendia muito bem a prosperidade dos ímpios e, às desventuras dos justos, até que sua meditação o levou à uma conclusão maravilhosa, ele atentou para o fim de todas as coisas e como Deus tem sempre um futuro melhor para os que o temem.
No verso 16, ele faz a seguinte declaração:
“Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus e atinei com o fim deles” (Salmo 73.16 e 17).
Facilmente podemos notar que a construção desse salmo aconteceu em uma meditação dogmática sobre Deus e suas obras, principalmente a bondade de Deus para com os homens.
Asafe, declara que pensava nestas coisas e, ao que parece, o fazia enquanto se dirigia ao Templo. Quando ele adentrou ao Templo, sua mente recebeu luz e ele meditou sobre o fim de todas as coisas e logo o seu pensamento foi encaminhado à glória de Deus.
Você poderá ler o Salmo e perceber com mais detalhes a mudança na mente desse homem que meditou na bondade do Senhor. A ponto de no final ele resumir suas conclusões da seguinte maneira:
“Os que se afastam de ti, eis que perecem; tu destróis todos os que são infiéis para contigo. Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no SENHOR Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos” (Salmo 73.27 e 28).
Entre os escritos dos profetas de Israel temos muitos exemplos da prática da meditação dogmática. Um bom exemplo vem de Jeremias, no seu livro, conhecido como “Lamentações de Jeremias”.
Neste livro, o profeta Jeremias enfrenta um tempo muito difícil da vida da nação Israelita que fora levada ao cativeiro. Lá, viu a aflição do povo de Deus e as muitas amarguras pelas quais passou nas mãos dos seus opressores.
Jeremias se viu em um estado de desânimo profundo. No capítulo 3, ele diz que sua alma estava sem esperança, ou quase sem esperança. É pede a Deus que alguma coisa lhe sirva à mente para recuperar o vigor da fé. Sua mente se reencontra com a meditação na “Misericórdia do Senhor” e, assim, o profeta se levanta de seu estado de desesperança e recupera o estado de fé.
“Quero trazer à memória o que me pode dar esperança. As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não têm fim; renovam-se cada manhã. Grande é a tua fidelidade” (Lamentações 3.21 a 23).
Como podemos observar, o profeta reflete nas virtudes do SENHOR e esta meditação o conduziu a um relacionamento diferenciado com Deus em um momento de profundo sofrimento.
Como exemplo do Novo Testamento, iremos tomar a carta de Paulo aos Romanos. Esse é o mais complexo escrito paulino, considerado por muitos como sendo uma verdadeira obra teológica dos tempos apostólicos.
Não cremos que Paulo tinha essa pretensão, ou seja, a de escrever um tratado teológico sobre a justificação-santificação para os crentes de Roma. Mas, como lhe era peculiar, procurava vivenciar e compartilhar a fé de modo prático. Mas, sendo essa uma carta sem uma proposta clara de cunho apologético, como encontramos em outras, o apóstolo se sentiu mais a vontade para escrever de uma maneira diferenciada e mais livre sobre Deus e sua obra salvacionista.
Não teremos espaço aqui para uma abordagem mais pormenorizada carta. No entanto, o leitor poderá fazê-lo, pois é de excelente conforto o modo como Paulo apresenta suas considerações teológicas em Romanos.
Uma leitura rápida da carta sugerirá que a primeira parte da carta tem um caráter meditacional intenso, pois nela, Paulo rumina sobre diversos aspectos teológicos sobre os efeitos do pecado, a situação do pecador e como Deus age graciosamente para salvá-lo, justificando-o em Cristo Jesus.
O apóstolo usa exemplos do Velho Testamento, meditando no modo como Deus se relacionou com Abraão, analisa a vida do pecador que deseja fazer o bem, mas não consegue e, portanto, não pode ser salvo por suas obras. No final, o apóstolo medita na misericórdia que Deus utilizou para com os homens.
Não cremos que seja errado considerar que esta parte inicial da carta seja o produto da meditação do apóstolo sobre a obra de Deus, especialmente quando ele conclui esta parte com uma maravilhosa doxologia:
“Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os teus juízos, e quão inescrutáveis, os seus caminhos! Quem, pois, conheceu a mente do Senhor? Ou quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído? Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém” (Romanos 11.33 a 36).
Evidentemente, para Paulo era uma grande alegria espiritual conhecer a Deus e perscrutar a sabedoria de Deus, revelada na graça de Jesus. Disso, o apóstolo imediatamente tira lições e aplica aos seus leitores, dizendo que eles deveriam mostrar essa obra de Deus na vida deles, buscando a renovação da sua própria mente.