quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Messianismo Vétero-testamentário e a Mente Redencional

Isaías 9.1-7

Introdução

O propósito destes estudos é avaliar o processo revelacional da redenção e a expectativa gerada por Deus na mente do seu povo amado. Em outras palavras, a reação de fé às promessas de Jehovah estava no centro de toda a perspectiva do envio dos profetas. 
Um dos temas particularmente importante para o despertamento desta mentalidade redencional era a promessa do agente messiânico. O messianismo dos profetas não era baseado em um otimismo nacionalista, mas fundamentava-se no processo revelacional da obra de Redenção. 
O texto que separamos para esta investigação inicial é Isaías 9.1-7. Este texto, propõe uma visão messiânica de transformação redencional do caos para o governo justo. Sua ênfase principal é no poder e autoridade do Messias para governar seu povo. 

Estrutura do Texto

Um primeiro aspecto a ser notado na estrutura deste texto é o contraste entre "caos" e "governo".
Os versos iniciais (1 e 2) apresentam o caos dos governos injustos. O povo em tela são os mais pobres moradores da terra, da distante região de Zebulon e Naftali, eles são tomados como representantes do povo da Galiléia. 
O resultado da falta de um governo justo, havia produzido um povo "aflito", "desprezível", vivendo em "obscuridade". 
Mas, para a terra que estava aflita não continuará a obscuridade. Deus, nos primeiros tempos, tornou desprezível a terra de Zebulom e a terra de Naftali; mas, nos últimos, tornará glorioso o caminho do mar, além do Jordão, Galiléia dos gentios. O povo que andava em trevas viu grande luz, e aos que viviam na região da sombra da morte, resplandeceu-lhes a luz (Isaías 9.1-2). 
O contraste já está implicito nestes versos, mas ficará ainda mais claro nos versos finais, em particular, o verso 7. Ali, o resultado do governo do Messias é a "paz sem fim" e a instauração de um ambiente de "justiça". Esse contraste, deve funcionar como paradigma a ser mentalizado e desejado pelo povo da Aliança, a fim não somente de esperar e desejar o Messias, mas também de fazê-lo perceber e trabalhar pela chegada deste reino. 
Para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e firmar mediante o juízo e a justiça, desde agora e para sempre. O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto (Isaías 9.7). 
Os versos intermediários servem como explicação de como o Senhor fará chegar esse tempo de governo e redenção. Primeiramente, ele inicia dizendo que Deus, por meio do seu agente messiânico, venceria os inimigos do seu povo e, na parte final deste processo de contrução, aponta para o seu agente e o qualifica, designando-lhe nomes que descrevem o seu caráter e o caráter do seu governo. 
Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz (Isaías 9.6).  

O Contexto da Passagem

O contexto geral desta passagem pode ser resumido como sendo um ambiente dominado pelo pecado e desprezo contra Deus. O resultado mais evidente desta situação é a injustiça social praticada nos reinos de Israel e Judá. 
Essa injustiça e esse modelo pecaminoso nasceram da soberba dos filhos do povo de Deus. Os homens se tornaram altivos e seus pensamentos caminharam para longe de Deus. Eles escolheram trilhar os seus próprios caminhos e desprezarem o de Deus. O engano e a corrupção eram as ferramentas dos governantes e do sacerdórcio e dos falsos profetas, que dominavam a religiosidade insincera dos homens e mulheres israelitas.
Todo o povo o saberá, Efraim e os moradores de Samaria, que em soberba e altivez de coração dizem: os tijolos ruíram por terra, mas tornaremos a edificar com pedras lavradas, cortaram-se os sicômoros, mas por cedros substituiremos (Isaías 9.9-10). 
 Ai dos que decretam leis injustas, dos que escrevem leis de opressão, para negarem justiça aos pobres, para arrebatarem o direito aos aflitos do meu povo, a fim de despojarem as viúvas e roubarem os órfãos! (Isaías 10.1).
No contexto da profecia, temos também a palavra de Jehovah que estes males do seu povo seriam corrigidos mediante dura repreensão do Senhor e que para tal, Ele suscitaria um inimigo poderoso para ser a sua vara de correção. O profeta anuncia a invasão Assíria. 
Ai da Assíria, cetro da minha ira! Avara em sua mão é o instrumento do meu furor. Envio-a contra uma nação ímpia e contra o povo da minha indignação lhe dou ordens, para que dele roube a presa, e lhe tome o despojo, e o ponha para ser pisado aos pés, como a lama das ruas (Isaías 10.5-6). 
Mas, ainda que a Assíria sirva como instrumento do Senhor, também por sua arrogância pagaria, pois Deus, usaria a arrogância da Assíria para transformar o seu povo, mas não deixaria a própria Assíria sem sofrer a penalidade por seus próprios pecados. 
Por isso, acontecerá que, havendo o Senhor acabado toda a sua obra no monte de Sião e em Jerusalém, então, castigará a arrogância do coração do rei da Assíria e a desmedida altivez dos seus olhos (Isaías 10.12). 
Portanto, o profeta tem em mente todos estes elementos: o pecado do povo, a correção de Deus e a final redenção de seu povo, por meio da mudança do coração e a destruição dos seus inimigos. 
O governo do Messias acontecerá dentro de todos estes elementos e todos eles deverão ser levados em conta no modo de vida do povo da Aliança. Eles eram, então, chamados a viver nessa santa expectativa: Deus agirá para mudar o nosso coração, mas nos dará vitória. Esperança e quebrantamento eram dois elementos que se distinguiam dentro dos propósitos de Deus para o seu povo. 
O estabelecimento do governo do Messias era a mudança final que todos esperavam para deixar o caos e seguir ao equilíbrio da paz sem fim. 


A Mente Redencional na Passagem

Mantendo o interesse em como o povo daqueles dias deveria reagir, sem entrar em discussões mais detalhadas ou exegéticas da passagem, o que precisamos notar é que o profeta está sendo instrumento para desenvolver uma mentalidade de confiança a despeito do caminho apertado que teriam de trilhar. Aliás, essa foi uma tônica sempre recorrente nos profetas: fazer o povo crer, a despeito das adversidades. 

A mente redencional e o quebrantamento

Era necessária uma clara consciência do problema real enfrentado pelo povo de Deus. Não se tratava apenas de um problema geopolítico, ou meramente social. O que estava acontecendo àquele povo era um caos produzido por um distanciamento profundo de sua relação com Deus. 
Acaz, rei de Judá, sofre pressões políticas de duas nações da sua região: Síria e Israel. O próprio país irmão, Israel, tinha se tornado aliado da Síria contra Judá. Judá, por sua vez, em lugar de buscar confiar em Deus, procurou uma solução política, procurou aliar-se a uma nação mais poderosa: a Assíria.
O que Deus busca de seu povo não é uma confiança lastreada por sua capacidade pessoal ou de qualquer outro homem. Deus buscava que seu povo abandonasse qualquer confiança humana e depusesse nEle as suas esperanças (ver Isaías 8.1-8). 

A mente redencional e a fé

Quando pensamos de forma isenta, temos de admitir que Acaz, estava, por assim dizer, fazendo o que outros líderes seriam tentados a fazer: procurar ajuda em alguém que pudesse fazer frente aos seus inimigos. Algumas vezes é isso que devemos fazer, contudo, no caso, Deus enviara o seu profeta e exigia que lhe dessem ouvidos. 
Ao Senhor dos Exércitos, a ele santificai; seja ele o vosso temor, seja ele o vosso espanto. Ele vos será santuário; mas será pedra de tropeço e rocha de ofensa às duas casas de Israel, laço e armadilha aos moradores de Jerusalém (Isaías 8.13-14). 
Confiar no Senhor era tudo o que o Senhor esperava do seu povo. Essa fé estaria despontando mediante a transformação que estava em curso. Ou seja, todo o processo de quebrantamento tem como objetivo desconstruir a falsa esperança e construir uma esperança no Senhor. 

A mente redencional e o Messias

Os filhos de Israel deveriam confiar em Deus e esperar pela manifestação deste agente divino, o Messias. Eles deveriam esperá-lo e preparar-lhe a chegada, por meio de uma constante expectativa e a manutenção constante da esperança. 
Ele lhes restauraria a alegria e a justiça na terra. Ele destruiria os inimigos e estabeleceria paz sobre toda a terra.
Um dos pontos mais importantes da revelação do Messias foi o nome que o profeta anunciou. 

Maravilhoso Conselheiro - Essa expressão, primeiramente chama a atenção para o fato de que o Messias não era apenas um líder comum, de alguma escola humana. O que eles deveriam entender por "Maravilhoso" é que era singular, totalmente distinto dos homens. Veja Isaías 25.1 e note que na verdade, o governo do Messias será baseado em sua maravilhosa sabedoria, que deveria ser esperada como algo totalmente incomum. 

Deus Forte - O termo hebraico é "El Gibbor" e aponta para a natureza divina do Messias. Ele não seria um homem comum, apesar de sua humanidade estar claramente anunciada na expressão "um menino nos nasceu", ele agora é apontado como sendo "divino". Ele é forte por ser capaz de destruir os inimigos e também converter o coração do seu povo (veja Isaías 10.21). 

Pai da Eternidade - o agente messiânico referido no texto tem a eternidade como parte de sua natureza. Ele é o único capaz de estabelecer uma paz sem fim e um governo duradouro. Aqui, se destaca sua capacidade de realmente estabelecer um reino eterno, pois ele domina a eternidade. 

Principe da Paz - Ele é o governante, que deriva o seu governo de Deus e tem como objetivo o estabelecimento da paz em substituição ao caos, que estava presente na experiência dos filhos de Deus naqueles dias. Este nome aponta para o fato de que o seu governo tem como objetivo a paz sem fim, baseada na vontade do Altíssimo.

A mente redencional e os Nosso Dias

Não muito diferente dos filhos de Israel nos dias de Isaías, nós também vivemos a experiência do caos originado no distanciamento entre Deus e os homens. A injustiça social e as guerras do nosso mundo são apenas algum dos reflexos destes problemas radicais. 
Somos hoje, chamados a crer no Messias de uma maneria ainda mais intensa. Afinal, diferentemente daqueles homens, nós já conhecemos muito mais da revelação do Messias, inclusive sabemos que ele já veio e que o seu governo já é real, embora invisível e espiritual.
Precisamos ter a mente controlada pelos mesmos aspectos: quebrantamento e fé. Também precisamos confiar no Messias e em todas as suas particulares capacitações para produzir uma eternidade mais justa e cheia de paz para nós. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Salmo 122

Introdução
Nos propusemos a fazer estudos esquemáticos dos salmos, escolhendo salmos que fosse representativos das cinco porções ou dos cinco livros dos salmos. Hoje, realizaremos um estudo esquemático no Salmo 122, que está localizado na última porção dos saltério. 
Esse quinto livro do saltério, em geral, apresenta salmos que se referem mais diretamente à adoração do povo de Deus como o ponto alto do contato com a divindade. Por isso, conhecemos essa quinta porção do saltério também como "hallel", ou "cantos de louvor". Entre eles, encontramos um tipo bem específico de salmos que são os chamados "cânticos de romagem". Esses cânticos de romagem eram canções cantadas durante as peregrinações que as famílias de Israel cantavam, enquanto se dirigiam à Jerusalém para cumprirem as obrigações templárias das festas obrigatórias. 
Entre as coisas importantes a destacarmos nesses cantos de romagem, ou canto dos degraus, como alguns preferem, estão os objetivos centrais destes cantos. Todos eles têm um objetivo geral de propor uma consciência gradual da importância daquelas viagens à Jerusalém e a importância, sobretudo, o ato de adoração que ali em Jerusalém iriam realizar. 
Essa característica peculiar dos cânticos de romagem nos oferecem uma particular ferramenta para o entendimento do conteúdo apresentado nesses salmos e, por isso, se torna um paradigma bastante interessante para abordá-los.

A estrutura poética do Salmo 122
Um os passos importantes é identificarmos a estrutura poética deste salmo, observando de que maneira as estrofes se dispõem e os temas que são trabalhados. 

Vs título: Cântico de Romagem de Davi
Nesse ponto encontramos duas informações fundamentais, elas nos remetem para os objetivos centrais deste salmo (salmo de peregrinação - adoração) e para o autor e sua história na composição (Davi). 

Vs 1-2 - Uma expressão de alegria e contentamento com o interesse pela Casa do Senhor. A chegada a Jerusalém como um marco importante de sua jornada. 

Vs 3-5 - Uma descrição de Jerusalém, sua força, sua importância e valor. 

Vs 6-9 - Uma convocação: orem pela paz de Jerusalém, a cidade que era o "fundamento da paz". 

Uma Transposição Teológica
Uma das ferramentas importantes do estudo dos salmos e de todos os livros bíblicos é a transposição teológica de alguns assuntos e figuras. Evidentemente, o tempo na cidade de Jerusalém teve um significado muito importantes e central para a vida dos crentes nos dias de Davi. Contudo, é importante que façamos a transposição teológica do significado do templo e da cidade de Jerusalém para Jesus e os apóstolos, que se consolidou como uma época de transição, na qual os bens verdadeiros assumiram o lugar daqueles que eram sombras (Hb 10.1).

Nosso exercício no Salmo 122 será o de fazer essa transposição teológica das figuras do templo e da cidade de Jerusalém para os dias dos apóstolos. 







quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Salmo 84

“Salmo 84”
Ao mestre de canto, segundo a melodia “os lagares”.
Salmo dos filhos de Coré



Introdução
O salmo 84, inserido no terceiro livro de Salmos, é um representante daqueles que a composição foram atribuídas aos filhos de Coré. Fora este salmo, outros três tem a mesma autoria: 85, 87 e 88, além do grupo 42-49 do segundo livro.
Trata-se de um salmo de exaltação do valor do templo do Senhor em Jerusalém. Este é um dos aspectos mais importantes deste salmo e um dos temas recorrentes em todo o saltério.
O templo, a Casa de Deus, o lugar da adoração era um dos aspectos centrais da relação de Deus com o seu povo. E, como já vimos, está diretamente ligada à ideia de adoração e a glória do Senhor (Halel) tão presente em toda a organização do saltério.
Neste estudo, vamos aproveitar e aprender uma nova maneira de encontrar e estruturar a mensagem de um salmo.

O autor e o título
Como sempre, as questões contextuais do autor são sempre muito importantes no estudo de um salmo. Às vezes, como no Salmo 54 que menciona um contexto histórico explícito, somos abastecidos de informações que levaram à composição do salmo e tais informações nos ajudam a entender melhor a sua mensagem.
No caso de hoje, não temos um contexto histórico específico, mas temos autores bem específicos. Os outros salmos que eles compuseram podem nos ajudar a identificar algum tema unificador, a sua função templária também pode nos oferecer ferramentas de entendimento e, assim, conhecer os filhos de Coré pode ser uma das ferramentas interessantes para o estudo deste salmo e seus equivalentes.
Os filhos de Coré
A família de Coré, o líder rebelde que teve sua tenda destruída pelo Senhor quando se revoltou contra a liderança de Moisés (ver Números 16. 20-32).
Coré era neto de Coate e, portanto, do grupo dos coatitas da tribo dos levitas. Além dos filhos de Arão, a tribo dos levitas fora dividida em outros três grupos: os gersonitas, os meraritas e os coatitas. O trabalho desses outros grupos não era ligado ao sacrifício em si, mas ao transporte dos utensílios do tabernáculo (ver Números 4.1-33).
Havendo, pois, Arão e seus filhos, ao partir do arraial, acabado de cobrir o santuário e todos os móveis dele, então, os filhos de Coate virão para levá-lo; mas, nas cousas santas, não tocarão, para que não morram; são estas as coisas da tenda da congregação que os filhos de Coate devem levar. (...) Arão e seus filhos entrarão e lhes designarão a cada um o seu serviço e a sua carga. Porém os coatitas não entrarão, nem por um instante, para ver as coisas santas, para que não morram (Números 4.15-20).
Passado o tempo, Coré, o neto de Coate, se insurgiu contra essa ordenação do tabernáculo e se aliou a outros membros de outras tribos (Datã e Abirão) para oferecer resistência à Moisés e seu irmão Arão. O resultado, como nós vimos no capítulo 16 de Números é que a terra se abriu e consumiu tudo o que tinham e depois o Senhor também eliminou os que pretendiam oferecer incenso com fogo estranho ao Senhor:
E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra debaixo deles se fendeu, abriu a sua boca e os tragou com as suas casas, como também todos os homens que pertenciam a Coré e todos os seus bens. Eles e todos os que lhes pertenciam desceram vivos ao abismo; a terra os cobriu e pereceram do meio da congregação (Números 16.31-33).
Procedente do Senhor saiu fogo e consumiu os duzentos e cinquenta homens que ofereciam incenso (Números 16.35).
Mais tarde, quando Moisés registra o censo dos israelitas, verificamos que nem todos da casa de Coré foram consumidos. O Senhor poupou os “filhos de Coré”, os quais continuaram a servir no seu labor do tabernáculo.
Os filhos de Eliabe: Nemuel, Datã e Abirão; estes, Datã e Abirão, são os que foram eleitos pela congregação, os qusi moveram a contenda contra Moisés e contra Arão, no grupo de Coré, quando moveram a contenda contra o Senhor; quando a terra abriu a boca e os tragou com Coré, morrendo aquele grupo; quando o fogo consumiu duzentos e cinquenta homens, e isso serviu de advertência. Mas, os filhos de Coré não morreram (Números 26.9-11).
Em serviço contínuo no tabernáculo nas saídas do povo de Israel, esses homens aprenderam o lugar da adoração na vida de sua comunidade e o seu lugar como instrumentos deste poderoso recurso dado por Deus ao povo. Eles também foram inseridos no trabalho do Tabernáculo, quando este deixou de ser andarilho, nos dias de Davi.
Os porteiros: Salum, Acube, Talmom e Aimã e os irmãos deles; Salum era o chefe. (...) Salum, filho de Coré, filho de Ebiasafe, filho de Corá, e seus irmãos da casa de seu pai, os coreítas, estavam encarregados da obra do ministério e eram guardas das portas do tabernáculo; e seus pais tinham sido encarregados do arraial do Senhor, e eram guardas da entrada (1 Crônicas 9.17-20).
E uma outra parte dessa família foi inserida entre os músicos do serviço do tabernáculo, no côro dirigido por Hemã, Jedutum (Etã) e Asafe.
São estes os que Davi constituiu para dirigir o canto na Casa do Senhor, depois que a arca teve repouso. Ministravam diante do tabernáculo da tenda da congregação com cânticos, até que Salomão edificou a Casa do Senhor em Jerusalém; e exercitavam o seu ministério segundo a ordem prescrita. São estes os que serviam com seus filhos. Dos filhos dos coatitas: Hemã, o cantor, filho de Joel, filho de Samuel (1 Crônicas 6.31-33).
Lá estavam os filhos de Coré, mesmo depois, no período de Salomão, entronizados na vida templária, servindo a Deus como porteiros e cantores do Senhor. Desse grupo é que surgiram os compositores dos 12 salmos coraítas do Saltério e dentro do seu contexto de lutas em prol da fé de Israel é que eles  foram chamados a compor canções que tinham como ênfase a vida com Deus e o louvor da sua glória.
Acredito que no Salmo 84, um versículo era muito significativo para esse grupo:
Pois um dia nos teus átrios vale mais que mil; prefiro estar à porta da casa do meu Deus, a permanecer nas tendas da perversidade (Salmo 84.10).
Ao Mestre de Canto - Segundo a Melodia “Os Lagares”
Não é fácil determinar o que essa melodia poderia significar. Via de regra, quando um salmo deveria ser cantado segundo uma melodia específica, os cantores e todos os adoradores entendiam a ênfase que era dada àquele momento litúrgico e o espírito de adoração era conduzido por isso.
O dirigente, possivelmente Hemã, o sábio, (1 Reis 4.31), o líder do Côro, conhecido como “Os Filhos de Coré”, que eram reputados por serem homens a quem o Senhor conservara com misericórdia e providência. Ele deveria conduzir o povo nesse salmo, levando à experiência intelectual de discernir o valor da Casa de Deus, segundo a melodia “Os Lagares”.
Essa melodia não tem um significado explicado, mas a palavra hebraica que a define pode nos ajudar. Ela é usada em outros dois salmos: Salmo 8, Salmo 81. Em ambos, a exaltação de Deus parece ser um tema central e, aqui no 84, a glória da Casa de Deus, baseada na glória do Deus com quem os homens se encontram.
A palavra “Gitite”, ou “Gate” em outros lugares, indicava o lugar onde eram recolhidas as uvas, depois da colheita. Ela se reportava à ideia de ir ao lugar onde o fruto do trabalho é depositado e transformado em algo superior, onde a uva era transformada em vinho. Foi na casa de um gitita ou geteu que a Arca da Aliança ficou hospedada até que fosse levada a Jerusalém (2 Samuel 6.11)
Possivelmente, essa melodia indicava a preciosidade do Senhor e a necessidade do homem de viver para a sua glória. O Salmo 84, enfatiza o lugar onde isso ocorreria de forma mais preponderante: o templo, o lugar da adoração.

Estruturando o Salmo 84
Nosso exercício não tem como finalidade oferecer uma interpretação do Salmo, mas oferecer recursos para que o mesmo seja interpretado e sirva como exemplo para o mesmo exercício em outros salmos.
Temos procurado enfatizar que identificar as estrofes é uma forma de estruturar um salmo muito útil. Mas, essa não é a única maneira de se estruturar um salmo.
Temos exercitado encontrar os sinais gráficos, que foram preservados pelas publicadores que colocam em letras maiúsculas o início de estrofes, ou ao menos os sinais gráficos que assim dão a entender haver uma mudança de ritmo no salmo.
Veremos que estes sinais são apresentados nos versos 1, 4 e 12. Mas, neste salmo, em particular, embora esses sinais nos ajudem, vamos procurar um outro elemento estruturante.

Encontrando um tema ou uma frase que se repete
Uma outra forma de estruturar um salmo é identificar nele, se um tema ou uma frase se repete ao longo da poesia. Possivelmente, as repetições, quando consideradas percentualmente em um salmo, podem indicar com certa segurança a intenção primordial do autor.
No caso do Salmo 84, encontramos um tema recorrente: “Bem aventurados - feliz”. Esse tema é, além de uma repetição da poesia, bastante importante para o contexto de todo o saltério, pois, como vimos no estudo do Salmo 1, ele é a porta de entrada do “telos” (ideia central) de todo o saltério. Não somente o saltério, mas um dos textos mais importantes da Bíblia carrega essa noção de “bem-aventurança”, que é justamente o início do Sermão da Montanha (Mateus 5, 6 e 7).

Estrutura em torno da “Bem-aventurança”
A primeira vez que essa expressão aparece é no verso 4:
Bem-aventurados os que habitam em tua casa; louvam-te perpetuamente.
Aparece novamente imediatamente no verso 5:
Bem-aventurado o homem cuja força está em ti
Finalmente, aparece terceira e última vez no verso 12, ao final.
Ó Senhor dos Exércitos, feliz o homem que em ti confia.

Essa estrutura não tem um formato simétrico de versos. Evidentemente, ela deve ser tratada com outro conceito. Nesse salmo, em particular, a estrutura baseada nas estrofes das pausas ou sinais músicais preservados pelas maiúsculas também não tem formato simétrico e isso nos ajuda a não ter grande dúvida sobre qual estrutura usar. Afinal, já que ambas estão sem simetria, escolher a estrutura temática pode ser um caminho melhor.

Verso 1-4 - A primeira bem-aventurança - a exaltação da Casa de Deus
Esses versos iniciais foram compostos tendo como foco primordial a exaltação da Casa de Deus e o prazer que o salmista tem de estar nela. Ele mostra que os tabernáculos são amáveis e altamente desejáveis, como lugar de acolhimento para uma experiência com a presença do seu Deus.
Ele encerra essa sessão com uma declaração formal de bem-aventurança daqueles que habitam na Casa de Deus.

Versos 5-11 - A segunda bem-aventurança - o caminho da experiência de quem busca a Casa de Deus
Essa segunda parte do tema do Salmo é a mais longa. Ela é também a mais prática e direta sobre as experiência que os homens viviam para chegar à Casa de Deus.
O salmista enfatiza como o caminho que leva o homem à presença de Deus é trilhado. Primeiro, ele aponta para o coração que não vê as montanhas da estrada, sente no seu coração, uma estrada sem dificuldades, eles não criam empecilhos e não se deixam desanimar.
A proteção do Senhor em resposta às orações daqueles que buscam ir à Casa de Deus parece despontar como o fator de tanta tranquilidade e paz interior. Deus é o seu refúgio no caminho do deserto e seus olhos estão postos sobre aqueles que o buscam.
Ao final dessa porção, vemos as razões que levam o adorador a enfrentar a jornada: a alegria de estar na Casa de Deus e o fato de que eles desfrutam do benefício de viver com Deus.

Versos 12 - A terceira bem-aventurança - Deus é o centro da experiência templária
Um dos pontos que esse salmo ressalta ao seu final, como também ao longo é que O Senhor dos Exércitos é o centro de toda a experiência vivida na Casa de Deus.
Um dos aspectos mais complexos da relação de Deus com os seus filhos no Velho Testamento é que muitas vezes, eles amaram mais o Templo que o Senhor do Templo. Nesse salmo, a ênfase está no verdadeiro lagar, onde toda a nossa vida tem sentido: Deus, ou o Senhor dos Exércitos.
Podemos notar que esse é um dos temas repetidos nesse Salmo: verso 1, 3, 8, 12. Desta forma, podemos dizer que era intenção do salmista unir esses dois temas: a bem-aventurança de viver em comunhão com o Senhor dos Exércitos. Por isso, o lugar da adoração se fazia importante, pois era o ponto de encontro entre ambos.

Conclusão
De forma muito particular, para os filhos de Coré a experiência com o Templo ou o Tabernáculo era especial. Buscar viver para Deus não implicava escolher o que fazer, mas ser escolhido por Deus para uma obra específica. Volto a dizer que o verso 10 pode claramente apontar para isso.
Quando nos voltamos para os nossos dias, o lugar da adoração se tornou em uma espécie de lugar onde buscamos alimentar a nossa vontade e anseio humanos. Precisamos recuperar a alegria de buscar a Deus e a sua glória. Nisso é que encontraremos a verdadeira alegria e sentido da vida.
Aplicação
Você deve encontrar outros salmos que possam ser trabalhados por meio de sua estrutura temática e começar um treinamento de estudos segundo esse modelo. Procure, primeiramente salmos mais curtos, pois podem ser mais fáceis.




quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Salmo 37

“Salmo 37”



Introdução
O objetivo dos nossos estudos não é o de trazer as respostas prontas sobre o ensino de cada um destes salmos, mas o de oferecer recursos para que os estudantes da Escritura possam, por si mesmos, encontrar o significado dessa passagem. Portanto, tomaremos o Salmo 37, como um modelo de estudos que poderá ser aplicado para outros salmos do saltério.
Lembramos que é importante perceber que o primeiro livro dos Salmos (1-41) oferece uma ênfase comparativa entre o “justo” e o “ímpio”, tendo como prefácio o Salmo 1, que justamente apresenta essas duas personagens e a relação que têm com Deus.
O Salmo 37 também trabalha com essa mesma ênfase e abre um pouco mais essa discussão, apresentando o sentimento de injustiça que ataca o coração do justo, quanto percebe que o ímpio parece ter força para explorar e dificultar a sua vida.

Estrutura do Salmo e principais destaques
O salmo 37 tem uma estrutura bastante simples. Ele trabalha com a comparação entre o justo e o ímpio e as suas divisões estão sempre à procura de oferecer argumentos para que o justo permaneça como está, já que os ímpios serão consumidos e destruídos pelo Senhor.

Versos 1-2
Apresentação do problema e resumo da solução - O justo não deve invejar o ímpio, mesmo quando este parece mais forte do que ele, porque o Senhor os destruirá em breve.

Versos 3-6/7-11
Duas estrofes para dizer ao justo o que ele deve fazer e a justificativa para tanto.
Confia no Senhor
Descansa no Senhor
Não se irritar por causa do ímpio
Deixar a ira

Porque os malfeitores serão exterminados, mas o mansos herdarão a terra.

Versos 12-15.
O que faz o ímpio e a consequência do seu ato - O ímpio intenta contra o justo, mas será atingido pelo seu próprio mal.

Versos 16-20/21-26
Duas estrofes sobre a relação dos ímpios e dos justos com a providência de Deus - O ponto trabalho é que o valor é o que menos importa, o pouco do justo é mais valioso que o muito do ímpio. Porque o ímpio não conhece o que é a providência e o justo nela espera.
A integridade para com a conquista de bens materiais é um fundamento do justo e isso preservará a sua alma da aniquilação destinada aos ímpios. O tema da “Bênção e da Maldição” é retomado na relação com os bens materais (Deut. 28) e aplicada ao justo e ao ímpio.

Versos 27-31/32-34
Duas estrofes que exortam o justo a viver justamente e justifica o por quê. Deus ama a justiça, então o justo deve viver justamente e o Senhor pune a injustiça.

Versos 35-36/37-39
Observar o ímpio e o justo. O ímpio desaparece e o justo é salvo por Deus.
Verso 40
Conclusão - O Senhor ajuda o justo e o salva do ímpio, porque busca refúgio em Deus.

Definindo o Tema do Salmo
O refúgio em Deus é seguro
O Salmo trata da ajuda e do livramento que o Senhor oferece ao justo na sua relação de inquietação com o ímpio.

Resumo do Ensino
O justo não deve invejar, temer ou se indignar com o fato de que o ímpio pareça ter melhor sorte que ele, ou o estar explorando, porque Deus estará cuidando sempre do justo e livrando-o do mal.

Detalhes que ajudarão a formar o contexto
Sabemos que se trata de um Salmo de Davi. O verso 25 diz que Davi escreveu esse salmo na sua velhice e se trata de um salmo proveniente de suas experiências de perseguição e como o Senhor o livrou de tudo.

Estruturando uma mensagem no Salmo 37
O tema geral dessa mensagem deve ser o tema do Salmo, a questão de se sentir seguro em Deus. Ele pode ser abordado de muitas maneiras, mas o salmo enfatiza a comparação entre o tratamento que Deus dá aos justos e aos ímpios.
Para pregar estruturar uma mensagem no Salmo 37, você pode tomar algumas das divisões estruturais do Salmo e liga-las ao tema geral ou pregar no Salmo todo.
A dificuldade para estruturar uma mensagem no Salmo todo é que você deverá fazê-lo tematicamente justificando seus temas, a partir de versos do Salmo. Mas, caso escolha um trecho e relacioná-lo ao tema, então poderá fazer uma mensagem mais expositiva.

Exemplo de uma mensagem no Salmo todo.

Tema: O que preciso para sentir-me seguro em Deus?

Para sentir-me seguro em Deus - preciso reconhecer que Deus é justo
(versos 1-2; 9-10; 13 - como exemplo de sua justiça contra os homens ímpios)
(versos 6; 17; 23 - como exemplo de sua justiça para com os justos)
Para sentir-me seguro em Deus - preciso confiar em Deus
(versos 5, 7, 27-28, 29 - mostre como Deus declara sua benevolência e a importância de confiar nisso)
(verso 25 - O testemunho de vida de Davi que já era velho e experimentou, tanto quanto testemunhou essa importante verdade).

Para sentir-me seguro em Deus - preciso obedecer a Deus em todas as circunstâncias
(versos 16, 22, 37- explore o ensino sobre obediência - bênção e desobediência - maldição)
(verso 38 - explore também que os transgressores serão exterminados e que isso tem a ver com a falta de obediência dos homens).



quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Doutrinamento da Vida

Introdução

Doutrina ou vida? Qual destes dois elementos é mais fundamental para um viver que agrade a Deus? Será que essa é a pergunta correta?
É bastante comum que doutrina e vida sejam colocados em pólos opostos no interesse daqueles que buscam um relacionamento com Deus verdadeiro e equilibrado. Mas, certamente, o equilíbrio no relacionamento com Deus não será encontrado em uma separação entre os elementos doutrina e vida. Ao contrário disso, devemos entender que ambos caminham juntos.
Nesta lição, nosso objetivo é considerar como doutrina e vida se completam para construir um relacionamento harmônico com Deus, baseado na sua vontade revelada e aplicada ao dia a dia do crente.

I. A Necessidade da doutrina

Engenheiros, mestres de obra, pedreiros etc. sabem muito bem coisas práticas sobre técnicas construtivas, mas a planta arquitetônica, o projeto estrutural, hidráulico e elétrico fornecem todas as informações para que executem a obra com qualidade e segurança nos resultados.
Como a construção de um prédio, o relacionamento com Deus precisa de informações claras e seguras para que alcancemos o bom êxito de agradar a Deus com a nossa vida. Esse tema foi apresentado por Jesus em uma conversa, quando afirmou que os samaritanos desenvolveram um relacionamento com Deus sem conhecimento (Jo 4.22-23).
Eles buscavam ao Deus verdadeiro, tinham um claro e evidente temor. Entretanto, haviam construído uma religiosidade distorcida, pois abandonaram a Casa de Davi e erguido templos em lugares não determinados pelo Senhor e pecaram por idolatria (1Rs 12.25-33; Jo 4.20).  
A doutrina correta tem o papel de apontar o caminho a ser seguido, evitando os equívocos e conceitos baseados em aforismos da nossa imaginação. Uma doutrina consistentemente bíblica é como um mapa que assegura qual o caminho a ser seguido.

 

A. Necessitamos de uma doutrina bíblica

Uma doutrina coerentemente bíblica se constrói a partir de uma completa harmonia com todo o ensino bíblico. Ter uma doutrina, saber defendê-la com argumentos bem construídos e apresentá-la de forma convincente não significa que ela seja bíblica ou que estejamos seguindo no caminho certo.
É primordial para o desenvolvimento de uma doutrina bíblica que ela seja direta ou indiretamente inferida das Escrituras e qualquer doutrina que não se configure a partir do texto bíblico deve ser desconsiderada (Gl 1.6-9).
Quando o apóstolo Paulo escreveu a carta aos Gálatas, enfrentava falsos mestres que estavam convencendo os crentes da Galácia a viver uma prática inconsistente com a mensagem do Evangelho.
Ele chamou essa nova doutrina de “outro evangelho” (héteros - diferente). Curiosamente, esse “outro evangelho” (heterodoxo), apesar de ser uma perversão do evangelho de Cristo, usava um apelo prático mais visível, uma vez que se baseava no retorno da guarda dos velhos costumes da lei mosaica (Gl 5.1-4).
A este novo ímpeto gálata pela lei mosaica, Paulo chamou de confiança na carne (Gl 3.3; 5.13). Ele definiu esse retorno à Lei como uma ênfase na carne (Gl 5.24-25), apontando que o resultado prático de uma doutrina equivocada é o pecado e, no caso, a vanglória e as contendas (Gl 5.26).

B. Necessitamos de uma doutrina contruída em toda a Bíblia

Voltando ao exemplo da Carta aos Gálatas, alguém pode se perguntar: mas a lei mosaica não é bíblica? Sim, evidentemente a lei mosaica fora prescrita por Deus e se encontra dentro do cânon geral das Escrituras. Mas, a doutrina verdadeiramente bíblica não pode ser construída em apenas uma parte da Escritura, mas sob uma perspectiva geral do ensino escriturístico. A esse esforço de harmonizar um texto ou doutrina com o todo da Escritura chamamos de “analogia da fé”.
Analogia da fé é a regra hermenêutica (princípio de interpretação) que submete a interpretação particular de um texto ao crivo interpretativo de outros textos. Em outras palavras, a Bíblia é que interpreta a Bíblia e um texto mais obscuro e indireto é compreendido à luz de outros textos mais claros e diretos.
A Escritura foi revelada de forma progessiva. Deus nos concedeu conhecimento gradual de sua vontade e dos princípios fundamentais para o estabelecimento da nossa fé. O Novo Testamento não veio para inutilizar o Antigo, mas complementá-los e oferecer um entendimento perfeito daquilo que até então era considerado apenas sombra (Hb 10.1). Por outro lado, o Antigo Testamento oferece as bases do entendimento do que se cumpre e completa no Novo.
Esse é o espírito apresentado na sessão introdutória da Carta aos Hebreus: outrora pelos profetas, hoje nos fala pelo Filho (Hb 1.1-2). Essa carta nos conduz do ambiente do Antigo Testamento ao Novo Testamento mostrando a importância da complementaridade entre ambos. Para esse escritor, a vinda do Mediador da nova aliança é o ponto mais fundamental dessa mudança interpretativa, o que ele chama de “superior aliança” (Hb 8.6-13). Ou seja, Cristo é a chave hermenêutica que dá sentido à unidade entre Antigo e Novo Testamento.
O apóstolo Paulo usa esse mesmo conceito hermenêutico para oferecer aos gálatas uma correta interpretação do papel da Lei (Gl 3.23-25). Ele próprio, por algum tempo, vivia debaixo de uma interpretação equivocada da verdade, baseando-se no cumprimento dos ritos da Lei e foi liberto quando Cristo revelou-se a ele (Fp 3.4-11).
Uma doutrina parcial não é capaz de produzir um agir prático que completamente agrade a Deus. Necessitamos de uma doutrina que se construa sob toda a autoridade bíblica. Isso decorre de uma confiança total na inspiração e inerrância das Escrituras.

C. Necessitamos de uma doutrina que objetive a prática

A doutrina não é um fim em si mesma. O objetivo geral das Escrituras não é meramente informativo ou uma apresentação teórica de conceitos a respeito de Deus e da sua vontade. O que devemos esperar de uma doutrina é que ela se manifeste em uma vivência prática equilibrada do que creem.
Jesus exortou seus discípulos a serem ouvintes praticantes (Mt 7.24-27). Da mesma forma, Tiago, o irmão do Senhor, questionou a fé que não se transformava em prática de vida (Tg 1.22-25). Também João insistiu que o correto é conciliar corentemente fé e vida (1Jo 3.17-18).
Devemos encarar a doutrina como um instrumento necessário para uma vida prática não distorcida e um relacionamento não baseado apenas na imaginação humana, mas na “verdade”. Este procedimento de viver segundo a doutrina de Cristo é chamado também de “andar na verdade” (2Jo 4); na “prática da justiça” (Rm 6.17-18); “andar na luz” (Jo 8.12); “andar de modo digno (Ef 4.1) etc..
Nota-se nas Escrituras que o ensino bíblico está sempre sintonizado com a prática dos servos do Senhor (Pv 1.1-7). Ao nos revelar a sua vontade, Deus nos conduz a um relacionamento de amor com ele, que só pode ser observado de fato na prática de amor ao próximo (1Jo 4.7-10).
Nenhuma doutrina é completa se não nos conduz ao viver prático. Mesmo quando o conteúdo doutrinário consiste de enunciados mais teóricos, sempre é possível encontrar no ensino bíblico uma maneira de levá-lo às últimas consequencias de suas implicações práticas.

II. Doutrinando a Vida
Tendo em mente que é necessário o paradigma doutrinário como um mapa para seguir um bom caminho, vamos considerar de que maneira podemos aproximar o conhecimento doutrinário da nossa vida prática.
Em 2 Timóteo 3.16-17, o apóstolo Paulo sugere uma série de aplicabilidades para o ensino da Palavra de Deus. Ele conclui que o homem exercitado pelo aprendizado da Palavra se torna perfeitamente habilitado para o viver prático.
O doutrinamento da vida pode ocorrer por meio de uma racional aplicação dos princípios gerais da Escritura sobre os aspectos práticos do viver. Assim como Paulo sugeriu à Timóteo, façamos um exercício teórico de aplicabilidade da Escritura.

 A. A doutrina mudando o conhecimento de Deus – útil para o ensino

A doutrina bíblica é útil para o ensino. Precisamos doutrinar o nosso pensamento o que implica adquirir maior precisão no que cremos a respeito de Deus. A crença cristã, quando biblicamente orientada, não se estabelece a partir de inferências filosóficas, sociológicas, metafísicas etc., elaboradas a partir da capacidade do homem de intuir Deus, mas resulta de um entendimento formulado a partir da revelação bíblica.
Doutrinar a vida, segundo o ensino verdadeiro das Escrituras é adquirir um conhecimento de Deus a partir da recepção mental da verdade apresentada nas Escrituras. Esse foi o ponto trabalho por Jesus Cristo em sua oração sacerdotal (Jo 17.3,6-8,17).
Maior precisão bíblica a respeito de Deus nos concede maior capacidade de viver para agradá-lo.

B. A doutrina corrigindo desvios – útil para repreensão.

Aqui, Paulo usou a palavra “elegkon” do grego, que tem um sentido de repreender pela formação de uma nova convicção. A doutrina nos repreende por meio da formação de um novo pensamento. A primeira decorrência de um bom aprendizado é a mudança.
Identificar caminhos errados é um dos bons resultados de uma vida bem doutrinada pela Palavra de Deus (Sl 32.8; Pv 2.7-9; 4.11). Ser repreendido pelo bom conhecimento é um sinal de maturidade espiritual e crescimento na direção da chamada “novidade de vida” (Rm 6.4).

C. A doutrina redirecionando o caminho – útil para a correção.

Já neste ponto, a palavra usada pelo apóstolo é “epanorfossim” (endireitar-se, retomar a forma reta). Essa foi a única vez que Paulo usou tal palavra, o que implica em dizer que deseja que ficasse claro que a proposta corretiva da doutrina é muito prática e consiste na retomada do caminho reto, da vida na forma correta.
Não basta adquirir um conhecimento verdadeiro, ser definitivamente convencido dele. É necessário que uma atitude de mudança prática ocorra e o doutrinamento da vida propõe ser uma proposta prática de correção.
Os crentes de Tessalônica são um bom exemplo de como o doutrinamento da vida, por meio da palavra, corrigiu sua rota (1Ts 1.8-10). A completa mudança do comportamento deles se revelou de forma prática. A doutrina ou o ensino apresentado por Paulo lhes convenceu e transformou.

D. A doutrina construindo o caráter – útil para a educação na justiça.

Diferentemente de outras espécies criadas, o ser humano pode ser educado. Em outras palavras, ele pode ser conduzido a repensar seus valores a partir do conhecimento que adquire. A educação é um processo de mudança da mente humana, no qual se oferece ao homem as razões para as quais deve pensar, agir e sentir de um modo ou de outro.
A instrução de Paulo propõe um ritmob crescente e culmina com a ideia de que uma vez que adquirimos um novo conhecimento, somos convencidos e mudamos a nossa trajetória, precisamos aprender a andar nesse novo caminho. Esse novo caminho é o da justiça (retidão).
O doutrinamento da vida é um constante adquirir de ferramentas para continuar seguindo o caminho reto e mantendo a vida na forma correta, esse é o processo de santificação.  Você parte do que já possui para ir adiante e alcançar novos patamares (Fp 3.12-16). Essa também era uma perspectiva de vida proposta na carta a Tito (Tt 2.11-12).

III. Etapas da transformação da vida pela doutrina

R.C Sproul escreveu um livro entitulado “Como Viver e Agradar a Deus”. Ele propõe nesse manual de vida cristã algumas reflexões muito simples para a transformação da nossa vida. O penúltimo capítulo tem o título: “Doutrina e Vida”.
Sproul diz que três mudanças absolutas tem de ocorrer para que o processo de santificação da nossa vida seja real: a) mudança em nossa conscientização; b) na nossa convicção; c) em nossa consciência.
Para que a vida seja completamente transformada pela doutrina, realmente precisamos que essas três etapas se cumpram em cada aspecto do viver. Ainda que, muitas vezes sem um conhecimento mais apurado da doutrina, acertemos e façamos o que agrada a Deus, devemos reconhecer que o nosso objetivo não é um relacionamento incidental com o Senhor. Nosso objetivo é uma vida que realmente agrade a Deus como decorrência de uma nova consciência da verdade.

A. A Conscientização da verdade

Com certeza é muito mais eficaz o comportamento correto como fruto de uma consciência da verdade, do que aquele que ocorre apenas de forma instintiva.
Paulo nos fala dos acertos morais dos ímpios de maneira que entendamos que isso ocorre mais como fruto da providência de Deus que um desejo ativo deles de fazer o que é bom (Rm 2.14-15). Essas ações positivas não decorrem de uma conscientização proveniente de um novo conhecimento da verdade.
Mas, quando nossas ações positivas de obediência e conformidade com a verdade de Deus, são provenientes de uma mudança da nossa mente e de um novo relacionamento baseado na verdade, a nossa satisfação em Deus é muitíssimo mais elevada (Fp 4.9-13).

B. A Convicção da Verdade

A convicção é um nível mais profundo da ação do conhecimento. A convicção transforma o consciência da verdade em um forte engajamento à verdade.
Muitos motoristas usam o cinto de segurança. Nem todos gostam, mas admitem que é certo e estão conscientes de sua utilidade. Não usam o cinto apenas para não tomar multas, usam porque já assumiram-no como uma necessidade. Entretanto, um motorista que apenas sabe que é útil, vez por outra, deixa os filhos do banco de trás sem o cinto. Quando, acontece um acidente e alguém se machuca seriamente, ele passa do nível da consciência do certo para a convicção do certo.
A convicção é uma conscientização em nível mais profundo e produto disto é que o convicto se torna engajado na prática de que é consciente.

C. Internalização da Verdade

O ponto chave da mudança do pensamento é a transformação da ideia de conceito em consciência. No primeiro ponto, a verdade é um conceito adquirido e assumido como correto e útil, nesse ponto, ele começa a fazer parte integrante do modo como construimos o pensamento.
O Senhor é o responsável primordial por essa internalização. Ele a executa por meio da obra do Espírito Santo. O objetivo dessa internalização é mudança da nossa natureza e a inserção de uma nova maneira de pensar. 
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